Há várias coisas que me espantam em Ferro Rodrigues. A primeira é que parece estar sempre zangado. Nunca vi o Presidente da Assembleia da República com ar bem-disposto e descontraído. Nem nas celebrações do 25 de Abril, consegui ver um sorriso aberto em Ferro Rodrigues, o que para um revolucionário é estranho.
Marcelo Rebelo de Sousa entrou no hemiciclo com ar de satisfação monárquica, talvez antevendo os elogios à sua lição sobre o modo certo de interpretar a história. António Costa entrou à… António Costa, com o seu andar gingão, como quem entra numa arena, talvez lamentando que não iria tourear alguém, como ele tanto gosta, naquele dia de celebrações revolucionárias (mas não esperou muito, e um dia depois toureou Pedro Nuno Santos em terras minhotas). Ferro Rodrigues entrou com o seu ar zangado de sempre. Até o cravo parecia murcho.
Outra coisa que me espanta em Ferro Rodrigues é o modo como André Ventura o altera. O Ventura é um tipo populista que gosta claramente de provocar. Recorre a propostas radicais para conquistar votos, mas ver nele o “regresso do fascismo” é um sinal de esquerdismo primário. No entanto, é precisamente esse o efeito que Ventura provoca no Presidente da AR. Quando ouve o líder do Chega, Ferro regressa ao MES. Ou, no fundo, nunca de lá saiu.
Para um homem que se preocupa tanto com as “ameaças à democracia”, é estranho apoiar a aliança do PS com partidos que defenderam ditaduras totalitárias no passado. Também espanta a sua cegueira a tudo o que o PM Sócrates fez para limitar a independência do Supremo Tribunal de Justiça ou da Procuradoria Geral da República, ou suprimir a liberdade de opinião na TVI. Como um bom revolucionário, Ferro Rodrigues perdoa aos seus camaradas aquilo que condena nos seus adversários.
Por fim, também me espanta, e não quero ser ofensivo, por isso direi de um modo ligeiro, a falta de inteligência e de dimensão intelectual de Ferro Rodrigues. Alguém se lembra, em tantos anos de política activa, de alguma intervenção inteligente de Ferro Rodrigues? Eu não consigo. Comparem, por exemplo, com alguns dos seus antecessores – e só recorro a casos de socialistas, para não me acusarem de ser parcial a favor da direita. Almeida Santos tinha uma fina inteligência política, tão fina que por vezes parecia cínica. Jaime Gama é superiormente inteligente e um homem culto. A comparação com os seus antecessores mostra como a elevação de Ferro Rodrigues a Presidente da AR é um dos maiores sinais de declínio da vida política portuguesa. Costuma dizer-se de algumas pessoas que são profundamente inteligentes. No caso de Ferro Rodrigues, a falta de inteligência é profunda.
Mas os ataques à liberdade e as manifestações de radicalismo multiplicam-se entre as esquerdas. No seu programa semanal de comentário político, a TVI resolveu não discutir as buscas do Ministério Público na Câmara de Lisboa (percebem o conflito de interesses entre o cargo político de Medina e o exercício do comentário político?). O incómodo da jornalista e de Medina foi evidente, mostrando que foi uma decisão editorial. A expressão da jornalista a ler a decisão e a cara de Medina foram confrangedoras.
Mas se Medina tivesse elevação e coragem, não teria aceite o silêncio sobre as buscas. Deveria ter enfrentado o problema de frente e daria as suas explicações sem medo do debate e das questões. Fazer um comunicado no silêncio de um gabinete e recusar a discussão pública é próprio de ditaduras que não admitem confrontos, e não de democracias que valorizam a liberdade de opinião.
Por fim, os radicalismos voltaram a manifestar-se a propósito da participação de Sérgio Sousa Pinto na Convenção do Movimento Europa e Liberdade. O suposto pecado de Sousa Pinto é participar num encontro onde também está André Ventura. Os chefes de fila dos ataques foram Paulo Pedroso e Francisco Louçã, que são tudo menos inocentes. Ninguém atacou outros socialistas que também estarão no encontro do MEL, como Luís Amado e Álvaro Beleza.
O MEL foi apenas (mais) um pretexto para atacar Sérgio Sousa Pinto. Ele representa o PS livre, social democrata e moderado que Pedroso e a ala radical dos socialistas, e Louçã e o Bloco, querem derrotar de vez. O que não falta em Portugal são revolucionários zangados, como são os casos de Ferro Rodrigues e de Louçã.