Muito se escreve sobre o tema de como ter um casamento de sucesso. São-nos dadas dicas específicas. Livros, encontros, pois há teorias para tudo. Afinal, a nossa felicidade está em jogo e queremos perceber como funciona alcançá-la. Sabemos da taxa de divórcio em Portugal, 70 em cada 100 casamentos dão em divórcio. No Brasil estes aumentaram em 160% na última década. Também é verdade que há vários condicionalismos e situações diferentes e que um divórcio é muitas vezes a única via para solucionar um problema, mas penso que todos concordamos que quanto menos divórcios, melhor. Como podemos então enfrentar esta tendência, aliada à do decréscimo a pique da natalidade? Falamos muito de resolver conflitos e atenuar danos depois do divórcio. Com certeza que é importante. E antes do casamento, o que podemos fazer? Falamos tanto de planos de negócios, de dieta, de treino, formação, carreira profissional, e porque não falamos de “planear-nos” e não apenas a boda de casamento, o bouquet e o vestido? Pode ser uma via?

O problema do casamento está nos extremistas: nos sonhadores e nos cínicos. Os sonhadores, porque nos vendem promessas de felicidade fácil e barata, os cínicos porque nos matam o desejo e a esperança de um casamento exigente, mas feliz. No meio, mais uma vez, está a virtude? Tenho experiência de que quanto mais falo, penso e trabalho nesta área do casamento (com um site de 20.000 pessoas e já com alguns casamentos realizados), mais me confronto com os meus erros e fragilidades como casado. Por outro lado, desafia-me. Se esses erros não forem “fatais”, melhor. Estes últimos podem ter raízes “estruturais” na pessoa e na sua história. Feridas passadas ou pouca maturidade para a decisão. É preciso um processo de discernimento antes, mas também muita descomplicação, se não, não se desfruta o que de melhor nos dá a vida! Os erros no casamento podem também ser deliberados. E os erros grandes começam sempre com muitas coisas pequenas. Nunca um rompimento, traição, acontecem num dia em que um dos cônjuges está maldisposto!

E um divórcio pode ser um “sucesso”? Pode, pois a decisão inicial pode ter sido errada. Ou mesmo uma nulidade confirmada (Atenção: ninguém pede para “anular o casamento”, como às vezes se ouve! Pode-se pedir às autoridades eclesiásticas competentes para “averiguar a nulidade matrimonial” e para isso se conduz uma investigação. Pode-se chegar à conclusão de que o matrimónio nunca existiu, ou existiu mesmo). E se os noivos estavam plenamente conscientes e maduros na decisão e depois divorciam-se por desleixo consciente, podemos considerar um insucesso, mas imagine-se, ainda, que há um cônjuge mais responsável do que o outro pela separação e este último segue em frente, cresce com o processo e encontra novo sentido para a vida?

De qualquer forma, o “sucesso” ou “insucesso” do casamento só cabe ao interessado na sua consciência e, a quem acredita, a Deus, de qualificar. Aos outros cabe a ajuda e compreensão.

Então há “solução” para o casamento? O padre jesuíta português Vasco Pinto de Magalhães diz uma frase interessante, não necessariamente neste contexto: “não há soluções, há caminhos”. De certa maneira, tem razão. É enganador tentarmos aplicar soluções “chapa 3” a toda a gente, partindo do princípio que todos somos iguais, vivemos a mesma história de vida e possuímos os mesmos talentos. De qualquer forma, somos todos humanos e haverá algo que temos em comum. Penso que há caminhos individuais, claro, mas também não é incompatível haver soluções.

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Então o “sucesso” do casamento depende só de nós? Chegará a nossa atuação?

Penso que a felicidade no casamento, mais do que “sucesso”, é um resultado de muitas coisas, mas de oportunidade, preparação e entreajuda, é certamente.

À oportunidade, uns chamam “sorte”, outros “graça”. Todos temos um caminho na vida, uma vocação, uma chamada para fazer e ser algo. Uns encontram-no mais cedo do que outros, uns nunca o encontram. Outros acertam o caminho, perdem-no e encontram-no mais à frente.

À preparação, o tal discernimento, que não se cinge só a pensar bem antes da decisão, mas de, partindo de alguns princípios, adequá-los à nossa vida, perceber o que nos ajuda e desajuda e agir em conformidade.

Por fim, a entreajuda. O “nós”. Todo este processo faz-se, sim, em conjunto. “Ninguém é uma ilha”. Não só em casal, mas em tudo o que recebemos e vivemos em “comunidade”. Sempre adorei o conceito de “community” dos americanos. E eles referem-se a isso na sua zona geográfica de residência. Nós faremos o mesmo?

Se chegamos bem a adultos não é só por nós, mas também por um conjunto de influências. Como dizia o Papa Francisco num inolvidável TED TALK, “a solução está no “nós””. A solução do casamento está na nossa decisão de compromisso, mas também em todos os que o rodeiam e o podem ajudar, antes e durante.

Quantas ruturas seriam evitadas com o suporte da família, a compreensão, o perdão, a ajuda nos fins de semana com os miúdos? Como tudo seria mais fácil se, claro, as pessoas que trabalham corajosamente não se vergassem à escravidão de horários desumanos, mas também contassem com o auxílio de amigos a encontrar alternativas de trabalho, irmãos mais disponíveis a ficar com as crianças, amigos a substituírem-nos numa ida à lavandaria. Como seria tudo mais fácil se os solteiros dessem sentido ao seu caminho dando o seu tempo a quem menos tem ou outras pessoas que tiveram menos oportunidades e, assim, ganham eles e ganham os outros? Quantos não cairiam em desânimo se fossem amparados por pais e amigos mais presentes, não obcecados com o seu tempo e suas coisas, mas com o bem do outro? Estamos nós devidamente despertos para isto ou cada um centrado no seu “sucesso”?

O que seria eu sem os valores que me foram passados em casa, a confiança e ajuda, o que seria sem a minha psicóloga que me aconselhou num período duro de depressão, sem o padre que me aconselhou ou o meu pai que me aturou quando despejava a minha frustração nele sobre uma chefe intratável? O que seria eu sem a minha mulher, a qual vê muito mais em mim do que os meus defeitos, mas as minhas possibilidades?

O crescimento (e o sucesso) é um processo de nos tornarmos “capazes”, sempre com os outros.

É preciso também um trabalho de “humilhação” pessoal. Algo que não é rebaixamento, mas revela coragem e inteligência. Algo que hoje é muito difícil, porque queremos ser todos “importantes” e “únicos”, o que é perfeitamente legítimo, mas muitos se esquecem que para lá chegar, há que se encontrar consigo mesmo. E custa. E envolve pedir ajuda.

Por isso, o caminho e solução do casamento está no “nós”, num mundo menos individualista e fechado.

Editámos um livro a que chamámos “Casar com sucesso – guia humano e espiritual para solteiros (e não só)” (Princípia), de Gudrun Kugler, o qual em alemão é “Niemand ist eine insel” – “Ninguém é uma Ilha”. Arrependo-me um pouco de não ter deixado o título alemão, pois cada vez me convenço mais que existo porque outros existem. Por outro lado, a razão de darmos este nome foi também mostrar que a ajuda dos outros ou de algum meio é importante na procura de uma pessoa para casar, mas o trabalho é nosso. É possível, somos capazes, os outros são essenciais para nos ensinarem a pescar, mas não para nos darem a cana e o peixe. E que a queixa e a vitimização não levam a lado nenhum.

Se este é mais ou menos um livro de autoajuda, não é o manual tradicional deste género, pois tem também uma abordagem espiritual e cheia de referências científicas, literárias e filosóficas.

E do que trata o livro? Conselhos práticos para solteiros com o sonho de casar. Fala do antes e esse é o ponto que nos parece mais interessante. Na antítese de conselhos do que fazer quando a situação já está complicada, também úteis, com certeza, este livro pretende dar sugestões de como encontrar uma pessoa, preparar-se, como abordar o antes da decisão de casar. Desde o conhecer-se a si próprio e a outra pessoa e, se for cristão, o papel de Deus nisto tudo. É uma lista de “regras de vida”, a autora não o esconde e podem não se adequar a todos, é compreensível. De qualquer forma, podem ser, para outros, algumas pistas de reflexão.

António Pimenta de Brito formou-se em Língua e Cultura Portuguesa (língua estrangeira) pela FL-UL e depois fez um MBA em gestão, no ISEG-UL. Tem trabalhado em empresas nos últimos 12 anos. Fez formação em Comunicação na Harvard Kennedy School e na European Dignity Watch, em Bruxelas. Recentemente tornou-se empreendedor e docente ao criar a primeira Pós-Graduação em Portugal em Gestão de Organizações Religiosas, no ISEG-UL e é atualmente corresponsável pelo site internacional em língua portuguesa, fundado na Áustria, www.datescatolicos.org, dá palestras e escreve sobre o tema das relações e casamento.