O Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) tem sido o combustível das contas certas de Mário Centeno e António Costa. Muitos se recordarão da conferência de imprensa que o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade – que ironicamente viria a ser associado ao caso das viagens pagas pela Galp – deu em 2016, anunciando um aumento do ISP. Dizia Rocha Andrade que, em virtude da descida dos preços do petróleo, o Estado estava a perder receita considerável na coleta deste imposto, decidindo aumentá-lo com duas condições. A primeira era que os portugueses não sentiriam na carteira esse aumento, uma vez que o valor a pagar pelos combustíveis se manteria. A segunda correspondia ao compromisso de que, caso os preços do petróleo voltassem a aumentar, o ISP se ajustaria em sentido inverso, ao abrigo de uma curiosa expressão usada por Rocha Andrade de “neutralidade fiscal”.

Se a primeira condição foi razoavelmente cumprida, o mesmo não se pode dizer da segunda. Os preços do petróleo foram subindo e subindo e o ISP foi-se mantendo e mantendo. Até que, após entrarmos numa tentativa de recuperação do impacto brutal da pandemia do SARS-COV-2 na economia, temos assistido a uma escalada geral de preços à qual a energia não é exceção. Naturalmente, os preços da gasolina e do gasóleo galgaram máximos históricos, chegando a superar os 2 euros por litro. Sendo a tosca resposta dada pelo governo com a aprovação de legislação para limitar as margens da gasolineiras, a que se seguiu as compensações do i-Vaucher – talvez porque quando o Estado leva 60% do preço dos combustíveis em impostos não será tanto uma questão de margens – tema de ampla análise, talvez seja interessante focarmo-nos na corrente agora surgida que procura legitimar a manutenção deste nível de tributação sobre os produtos petrolíferos, ainda que isso implique que a palavra dada seja grosseiramente ignorada.

Algumas vozes no nosso amplo espaço de comentário público têm argumentado que a transição energética requer a manutenção desses impostos no nível que nos permitiu chegar aos tais 2 euros por litro. Esta ideia, que tem vindo a ganhar alguma atração, merece, no mínimo, uma veemente contestação. Antes de mais, é importante vincar que os objetivos de sustentabilidade ambiental devem ser comuns a todos nós e que a transição energética tem de ser uma meta clara. No entanto, usar o argumento ambiental – que pressupõe que os impostos altos funcionem como dissuasor do consumo de determinado produto –, quando uma parte significativa dos portugueses não tem alternativa viável à viatura própria de combustão interna para fazer deslocações indispensáveis à sua subsistência, é um exercício falacioso. Tal decorre do facto de que não se pode dissuadir uma pessoa de um determinado comportamento, quando não existe outra opção. O que acontece é que muitos portugueses ficam pura e simplesmente obrigados a contribuir ainda mais para as receitas orçamentais do Estado.

Quando refiro que não existe alternativa viável, elenco nomeadamente duas razões. A primeira está relacionada com a deficiente cobertura de transportes públicos no território nacional. Esta conclusão poderia ser demonstrada com uma análise cuidada das várias ofertas de transportes coletivos no país, mas não é preciso chegar a tanto. Basta recordar que o Governo aprovou os passes sociais destinados apenas às áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Ou seja, nem vale a pena que os portugueses que residem e trabalham fora destes dois espaços tenham direito a passes sociais, certamente por não haver muito que lhes oferecer. Não havendo transportes públicos funcionais e com cobertura viável, sobra a viatura própria.

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Ora o segundo ponto prende-se exatamente com as limitações que muitos locais do país têm para permitir uma adoção generalizada de viaturas movidas, por exemplo, a eletricidade ou a hidrogénio. Se no último caso existe apenas uma estação de abastecimento em Cascais, no primeiro as coisas estão apesar de tudo melhores. Mas se olharmos para um distrito como o de Bragança, vemos que, de acordo com o site da Associação de Utilizadores de Viaturas Elétricas (UVE), tem apenas um ponto de carregamento rápido em operação e um segundo planeado. A grande maioria dos brigantinos verá muito condicionada a adoção de viatura própria movida a eletricidade.

Há mais ainda que deve ser referido. Em primeiro lugar porque os preços da eletricidade também têm aumentado substancialmente, diminuindo o diferencial de custo que se alega ser introduzido para induzir a tal mudança dos padrões de consumo. Em segundo, não é claro que, no caso de se dar uma mudança massiva para viaturas elétrica, haja capacidade da rede elétrica para disponibilizar a energia necessária para os carregar. A título de exemplo, há estudos nos Estados Unidos na América que apontam para a necessidade de duplicar a capacidade da rede caso 66% da frota total fosse elétrica. A mobilidade sustentável é e será cada vez mais parte da solução para responder às alterações climáticas, mas é preciso garantir as condições necessárias à sua disseminação massificada antes de se criar um problema ainda maior de abastecimento elétrico – que poderá ironicamente vir a ser suprido à custa de mais combustíveis fósseis.

Resumidamente, não se pode utilizar o argumento ambiental para justificar que os nossos combustíveis sejam dos mais caros da Europa quando não é dada uma alternativa viável a TODOS os portugueses. Até lá, esta argumentação serve unicamente para legitimar uma extorsão de mais dinheiro a quem não lhe pode fugir. Adicionalmente, não sendo atingida a tão desejada consequência de preservação do ambiente, condenamos muitas pessoas e, por conseguinte, a economia a um sucessivo empobrecimento por via da perda de poder de compra. É importante vincar que as alterações climáticas nunca se combaterão com o empobrecimento, tal apenas somará mais um problema a outro. O desenvolvimento e adoção de soluções sustentáveis para o ambiente tem nascido em economias dinâmicas, capazes de investir no seu desenvolvimento e com poder de compra para aumentar a escala de produção e assim baixar os preços.

Não é isso que acontece em Portugal, face ao rumo seguido. Com as sucessivas exigências de PCP e BE (e, porque não dizer, da TAP), os custos orçamentais não cessarão de aumentar, sendo necessário arrecadar mais receita para controlar o défice. Os impostos indiretos foram a tentação compulsiva deste governo para fazer face a esse desequilíbrio e vão muito para além do razoável. Procurar legitimar que Portugal tenha dos combustíveis mais caros da Europa, quando está muito longe de ser um dos países mais ricos deste continente, em nome da sustentabilidade, pouco mais é do que hipocrisia ambiental.