Há um ano, estávamos a ser confrontados com o resultado brutal de mais um fracasso do Estado e dos que o governam e vivem dele. O regime, porém, não se perturbou. Para que a ministra se demitisse, foram precisos mais umas dezenas de mortos em Outubro. O primeiro-ministro não foi capaz de pedir desculpa sem dar a entender, de propósito ou não, que o estava a fazer apenas para calar a oposição. Depois, as eleições autárquicas dissiparam tudo, e o mesmo grupo de amigos e de parentes que capturou o Estado há vinte e três anos pôde prosseguir como se nada tivesse acontecido. Só o presidente da república teve um gesto “drástico”, ao fazer depender a sua recandidatura da não repetição da tragédia. Um sinal dos tempos: a mais extraordinária atitude de um presidente desde que o general Eanes ameaçou resignar, aquando da revisão constitucional de 1982, não comoveu ninguém. Passou, como tudo passa.

O “país mudou irreversivelmente”, disse o presidente este fim de semana, para logo acrescentar, enigmaticamente: “resta saber se mudou o suficiente”. Desde há ano, tivemos estudos e opiniões, naturalmente contraditórias, sobre a “floresta” e o “interior”. Tivemos também ameaças da autoridade tributária aos donos de jardins demasiado arborizados, e, como de costume, discussões teológicas sobre os “meios aéreos”. Podem perguntar-me: mas que se podia esperar mais? Nada, é verdade. Os fogos de 2017 estão arquivados, como a bancarrota de 2011: algo que pode voltar a acontecer, porque nada de fundamental mudou, mas em que não vale a pena pensar muito. Quando tiver de ser, logo veremos. Só temos uma certeza: o que ardeu o ano passado não deverá arder este ano.

Estamos num país envelhecido, onde a população diminui e a economia diverge da Europa. Estão em causa todas as expectativas incentivadas pelo regime ao longo de anos. A estratégia da oligarquia, porém, é não dar por nada. Até o malogro favorece o regime, na medida em que está a tornar a sociedade portuguesa mais frágil, mais vulnerável e, portanto, mais dependente do poder político e portanto menos capaz de gerar alternativas. O país caminha de olhos abertos em direcção ao muro, hipnotizado por uma espécie de fatalidade.

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