A Presidência Checa da União Europeia arrancou na passada sexta-feira, num momento especialmente delicado para a União Europeia, a braços com as consequências da guerra na Ucrânia, a subida da inflação para máximos de décadas e o crescente risco de uma recessão global.

Nos próximos seis meses a prioridade absoluta da Presidência terá de ser a segurança energética da União Europeia. O objetivo apresentado pela Comissão de atingir 80% da capacidade das reservas de gás até final de outubro é desafiante, especialmente considerando que a Rússia tem ameaçado cortar o gás aos países mais dependentes dos seus gasodutos, e já começou a reduzir as exportações. Mas falhar esse objetivo é correr o risco de um inverno muito difícil com eventuais racionamentos de energia, que faria crescer o descontentamento com as sanções à Rússia e poderia até enfraquecer a posição europeia comum perante a invasão da Ucrânia.

A urgência em assegurar a energia para o próximo inverno já está a ter consequências para a política ambiental da União Europeia. A Alemanha, a Áustria e a Holanda anunciaram a reabertura de centrais elétricas a carvão, para fazer face à redução de gás através do gasoduto Nordstream 1, que transporta gás da Rússia para a Alemanha, por baixo do mar Báltico. A Comissão tem insistido em evitar o regresso ao consumo de carvão, ao mesmo tempo que procura flexibilizar a taxonomia verde europeia para permitir que a energia nuclear e o gás possam ser consideradas energias de transição para a economia verde. Flexibilizar o investimento nestas duas fontes energéticas poderá desincentivar o uso do carvão, que tem um impacto mais significativo na poluição do ar e no aquecimento global. Nesse sentido a Presidência Checa incluiu nas suas prioridades a necessidade de rever o papel da energia nuclear para reforçar a segurança energética.

A Presidência Checa refere o papel da digitalização, automação e transição verde para reforçar a resiliência económica da União Europeia. Mas, talvez mais interessante, é que liga a resiliência ao desenvolvimento de acordos comerciais e de investimento com países democráticos, o que é um bom ponto de partida para retomar uma política comercial mais ativa. Por sinal, no segundo semestre deste ano haverá um novo encontro do Conselho Tecnológico Transatlântico, criado pelos Estados Unidos e pela União Europeia para aumentar a cooperação nas áreas tenológicas, incluindo tratamento de dados e produção de semicondutores.

O enfoque em países democráticos significa também que caiu por terra a expectativa da União Europeia de que a integração no comércio internacional incentivaria a democracia em países iliberais. Assim, o acordo de investimento entre a União Europeia e a China, que tem sido negociado desde 2020, poderá estar definitivamente comprometido. Mas esta mudança de filosofia é mais profunda e contribui para uma transformação estratégica mais marcante: a criação de dois blocos económicos, políticos e de valores rivais.

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