A “mulher mais rica de África” é agora a mulher mais evitada de África. O seu dinheiro, que até a elite de Davos aceitava, passou a ser evitado. Isabel dos Santos mediu mal o poder que tinha e deixou-se transformar no símbolo do combate à corrupção em Angola. Fez tudo que lhe apeteceu em Portugal, brincou com empresários e até com Governos. Mais ainda fez em Angola. Agora parece ser a única que roubou os angolanos, enquanto todos os outros, aparentemente, se vão salvando com acordos, repatriando dinheiro.
Uma das lições deste caso é que o poder do dinheiro tem limites. A “princesa”, a “mulher mais rica de África”, colapsou sob o peso do poder político. É isso que todos queremos, que o poder económico e financeiro seja limitado pelo poder político. Mas o presidente angolano João Lourenço ainda tem de provar que está a combater seriamente a corrupção, em toda a linha, e não apenas a substituir uma cleptocracia por outra. Para já temos todas as razões para duvidar que todos estejam a ser atacados.
Temos antes razões para acreditar que Isabel dos Santos foi escolhida porque resistiu a um acordo de repatriamento de capitais, porque é a personalidade angolana milionária mais mediática e porque pode servir de exemplo a todos os outros. “Vejam o que se passou com a Isabel, que parecia impossível de destruir, vejam o que se pode passar com vocês”, parece ser a mensagem subjacente aparentemente com resultados.
E Isabel dos Santos revelou-se sempre muito poderosa. Em Portugal desafiou poderes e empresários como se percebe em alguns exemplos. Todos se foram submetendo ao poder do seu dinheiro, que o país e as empresas precisavam, sem questionar e frequentemente aceitando posições de acionista autocrática.
Um dos casos envolveu a então Portugal Telecom. Isabel dos Santos, que controlava a Unitel, suspendeu o pagamento de dividendos à empresa portuguesa. E na altura em que a Oi quer vender a PT – após os efeitos do colapso do BES e do Grupo Espírito Santo –, lança uma OPA sobre a PT, em finais de 2014, que acabou por não avançar.
Foi só na última semana que a Oi vendeu a sua posição de 25% na Unitel à Sonangol. A petrolífera angolana acaba por ser agora a “dona” da Unitel – tinha 25%, soma agora os 25% da Oi e os 25% de Isabel dos Santos estão arrestados. Sobram 25% da sociedade Geni que pertence ao General Leopoldino Nascimento, impedido em Portugal de fazer uma transferência de 10 milhões de dólares para a Rússia.
Também com os seus parceiros na NOS, a Sonae, Isabel dos Santos não foi “simpática”. Em 2011 a Sonae assina um acordo com Isabel dos Santos para se abrir uma rede de supermercados Continente em Angola. Quatro anos depois, a Sonae assume a ruptura do acordo. Isabel dos Santos avança sozinha para a abertura do “Candando” depois de ter contratado altos quadros da Sonae que trabalhavam para o projecto.
A Efacec foi um dos últimos negócios feitos por Isabel dos Santos em Portugal, que a compra, em 2015, em parceria com a empresa pública angolana Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade (ENDE). Este negócio ainda foi questionado pela Comissão Europeia, na sequência de questões colocadas pela então eurodeputada Ana Gomes sobre branqueamento de capitais, mas acabou por avançar. E permitir a reestruturação financeira da Efacec, uma das grandes devedoras da CGD. Hoje está à venda, depois de Isabel dos Santos o ter anunciado na semana passada, sem que tenha percebido, também aqui, que Angola lhe estava a tirar apoio – em Agosto a ENDE anunciou que saía do negócio.
Mas o caso que melhor reflecte a história de Isabel dos Santos no mundo empresarial e financeiro português é sem dúvida o do BPI. Mostra bem porque se fecharam muitos olhos numa fase, mas revela igualmente como os olhos se podem abrir repentinamente.
Em 2012, o ano mais violento da crise das dívidas soberanas em Portugal, vários foram os estrangeiros que “abandonaram” o país. Um deles foi o brasileiro Itaú que quis vender a sua participação no BPI. Quem acabou por ficar com parte dessa participação foi Isabel dos Santos, através da Santoro, comprando-a ao La Caixa. Salvou de alguma forma o BPI.
Mais tarde, em 2014, o BCE considera que Angola não segue as regras de supervisão da área do euro o que obriga o BPI a reduzir a sua exposição àquele país. O La Caixa avança com uma OPA mas Isabel dos Santos resiste. Só recua quando o Governo, já liderado por António Costa, aprova aquele que ficou conhecido como o “decreto BPI”. Vende a sua participação e o BPI mantém-se com 48% do BFA, que agora é, na prática, controlado pela Sonangol depois de esta ter tomado conta da Unitel.
Por este pequeno retrato percebe-se que Isabel dos Santos tem ao mesmo tempo papéis de heroína e vilã. Salva empresas, permite que bancos como a CGD limpem os seus balanços, como aconteceu com a Efacec, alivia o peso de um banco espanhol como acionista como aconteceu com o BPI para depois não querer sair e só o fazer pela força da lei. Faz boa parte disto sem disfarces, com dinheiro do Estado angolano – na Efacec é a empresa de electricidade, no BPI controlava, até há pouco tempo, o BFA com 25% do capital da Unitel.
Ninguém pode dizer que não sabia. E os que menos podem dizer que não sabiam são as consultoras, as auditoras e os advogados. O negócio deles é saber, se não sabiam têm de sair do negócio. O caso da reestruturação da Sonangol, em que aparentemente todos aceitam ser pagos através de uma empresa, a Matter, que pertence a Isabel dos Santos, exactamente a mesma pessoa que enquanto presidente da empresa os contratou, é sem dúvida o mais grave. É muito difícil perceber porque acharam isso normal e até legal.
A PwC, a Mckinsey, a BCG e o escritório de advogados Vieira de Almeida são o grupo que tem mais explicações para dar. Mas há as outras auditoras, de empresas de Isabel dos Santos, que inclui as duas grandes, a Deloitte e a E&Y. Existem outros escritórios de advogados que também se vêm envolvidos em negócios que precisam de explicações. (Os advogados de negócios começam a revelar-se como os menos escrutinados num quadro institucional que tem de ser mais eficaz a combater a corrupção e o branqueamento de capitais). Como há todo o procedimento interno do Eurobic que se devia ter protegido mais e melhor.
Isabel dos Santos percebeu que o dinheiro não compra tudo, que há um limite para o poder do dinheiro. Foi a sua grande lição. Se Angola vai de facto ganhar com o que está a acontecer só o tempo o dirá. Para já, tudo parece resumir-se a controlar os poderes de quem gravitava à volta de José Eduardo dos Santos e a garantir o repatriamento de alguns capitais num tempo em que o FMI está em Angola.
Por aqui, em Portugal, as declarações que se ouvem parecem apontar no sentido de nos juntarmos aos novos donos do dinheiro. Uma atitude não muito diferente da do resto do mundo. A princesa deixou de ser princesa e já não pode ir a Davos. Espera-se pela nova “princesa”. Para se voltar a fechar os olhos, porque alguém tem de comprar as empresas de um país sem capital. O poder do dinheiro tem o limite que o poder político lhe quiser dar, como aqui se viu. A hipocrisia, obviamente, impera. Nada de novo.