Este é o momento em que a jovem israelita Noa Argamani é raptada por homens do Hamas. Tinha ido com o namorado Avi Natan a um festival. Provavelmente nos primeiros minutos, à semelhança de muitos dos presentes nesse festival, nem percebeu que aquele som que se fazia ouvir com crescente insistência não era a música de fundo mas sim tiros. Até que o som de um rocket desfez o engano. Os homens do Hamas começaram a disparar indiscriminadamente. Os presentes no festival começam a fugir.  Vários ficam feridos. Alguns, não se sabe ainda quantos, foram feitos reféns. Noa Argamani  é uma das vítimas. Terá sido levada para Gaza onde é agora uma das várias dezenas de reféns israelitas. Não é necessário ser especialista em relações internacionais para antever que será tudo menos fácil o que espera estes reféns, num período que pode ir de dias a anos, muitos anos até se pensarmos no tempo que Israel demorou a conseguir a libertação doutros seus cidadãos feitos reféns. E sobretudo há que ter em conta que neste caso fazer reféns foi um objectivo deliberado. Logo às primeiras horas do ataque começavam a chegar fotos e videos daquilo que os homens do Hamas procuravam acima de tudo: reféns. Nas casas, nas ruas ou num festival disparavam para matar mas também para conseguirem reféns. O Hamas vai ter uma valiosa moeda de troca para os próximos anos.

Como foi ou melhor dizendo como está isto a ser possível? — esta é a primeira e mais óbvia reacção perante as imagens e notícias que chegam de Israel. Como é que um país dotado de um dos melhores serviços de informação do mundo não detectou que o Hamas estava a montar uma operação por terra, mar e ar? Não só não se entende como não é aceitável.

O apoio do Irão pode explicar a eficácia do Hamas mas não justifica o falhanço de Israel. Não há como iludir a questão: houve aqui uma falha monumental por parte das autoridades israelitas. Uma falha tão mais grotesca quanto por estes dias se assinala meio século sobre a Guerra do Yom Kippur, cuja recordação é indissociável da forma como nesse longínquo (mas afinal tão próximo!) ano de 1973 Israel foi apanhado de surpresa perante o ataque de vários países árabes. Sim, agora, em Outubro de 2023, Israel tem fortes contingentes militares deslocados na Cisjordânia. Também terá confiado demais na segurança proporcionada pelo muro que construiu na fronteira com Gaza e que hoje foi derrubado com simples escavadoras. Mas a isto que não é pouco mas não é de modo algum suficiente para explicar o que está acontecer por estas horas em Israel, há que juntar o momento de deslaçamento que se vive nas sociedades democráticas: longe de procurarem resolver os problemas dos povos, os governantes assanham-se em agendas que interessam sobretudo a eles mesmos. Isto é válido para o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e a sua reforma da justiça que dividiu inutilmente o país. Ou para os dirigentes da UE e a forma como impõem o que designam como agenda climática.

Este desfoque da realidade é invariavelmente acompanhado duma sobrestimação de si mesmos e das suas capacidades de análise e persuasão: o Israel de Benjamin Netanyahu que se deixou surpreender pelo Hamas garantia que o Hamas não tinha interesse em escalar o conflito e está no mesmo paradigma de arrogância de Angela Merkel e demais dirigentes europeus quando consideravam ter controlado Putin por lhe estarem a comprar gás. Nunca é por demais lembrar que entre as ideias mais perigosas do mundo se contam duas crenças infelizmente muito populares: a primeira é aquela que reduz a pessoas loucas ou estúpidas aqueles que não pensam ou agem como nós. Ora um terrorista não é estúpido e muito menos louco. Antes pelo contrário é alguém que antecipa, planeia e controla. A segunda crença, tão ou ainda mais perigosa que a anterior, é a que considera que aquilo que para nós não é lógico também não o é para os demais, particularmente quando esses demais são nossos inimigos. Tenhamos a humildade e a sagacidade de admitir que Putin ao invadir a Ucrânia ou o Hamas ao atacar Israel têm lógicas que não são as nossas mas que não deixam por isso de ser racionais. Há também uma terceira crença, ainda mais perigosa que as anteriores, que é aquela que garante que não há inimigos. Ou que havendo devemos fazer de conta que não existem e sobretudo que não têm quem os apoie, muito menos entre nós. Para os devotos deste negacionismo chamo a atenção para que  em Londres, o ataque a Israel foi celebrado na rua como se se tratasse de uma festa. Em Berlim idem. Na Grécia, num campo de requerentes de asilo na UE festejou-se o ataque gritando Alá é Grande. O mesmo grito se fez ouvir em Cachan, França, diante duma associação cultural israelita…

O que está a acontecer agora mesmo em Israel leva-nos aos fantasmas que esperávamos ter exorcizado. Mas eis que num ápice já por aí andam.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR