A pandemia por Covid-19 tem constituído um poderoso pretexto para inconfessados despautérios que já nos conduziram a um desalumiado e cavernoso lameiro nacional, do qual não sairemos tão depressa. Já rareia o oxigénio e tal não resulta das máscaras faciais que utilizamos. Tenhamos calma e serenidade, porque ainda não atingimos as profundezas do lodo. Com tanto desconchavado pânico que amoina nas cabeças dos Portugueses e com tanta hipnose colectiva, lá chegaremos, lá chegaremos…

Mas voltemos à Covid-19. Também a Igreja encerrou as suas portas no início, designadamente, as da Santa Eucaristia. Inicialmente, entendi que não podia ser de outro modo, até porque não se sabia exactamente o que aí vinha; todavia, depois, também julguei que foi tempo demais. Tal como o insensato segundo estado de emergência. Mas adiante.

Nesse período multiplicaram-se as missas streaming, único modo de aligeirar a ausência de sacramentos a todo o povo cristão católico. Nesse contexto, não mais me vou esquecer da Páscoa de 2020, um dos maiores paradoxos da história da Igreja. Perante a falta da Sagrada Comunhão e para apaziguar consciências – as próprias e as dos crentes em geral -, sobressaiu a imprudente argumentação de alguns, em fazer equivaler a Comunhão real a uma Comunhão espiritual. Sublinhe-se, ainda, que existia mesmo quem defendesse que aqueles que pretendiam a abertura das igrejas – com regras, claro –, não passariam de “fundamentalistas dos sacramentos”. Enfim…

Curiosamente, a muitos dos que proferiram e escreveram essas opiniões nunca lhes faltou a Comunhão real.

Do muito de nefasto que ficou do confinamento a que fomos sujeitos – sobretudo em termos económicos -, algo de substancial também ficou para a Igreja Católica.

Assim, se anteriormente já se assistia a um decréscimo da frequência da missa dominical – circunstância comum a toda a Europa ocidental -, com o fecho das igrejas, com o medo e com a distinta ajuda das justificações para-teológicas, essa frequência caiu para números infinitesimais, mesmo residuais.

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Percebe-se uma justificação simples: afinal, se basta apenas a Comunhão espiritual, para quê ir à missa? Foi o preço de tanto cuidado com a saúde corporal. O medo entranhou-se no mais íntimo da sociedade portuguesa e – alas! – também na Igreja portuguesa – leigos e consagrados.

E, agora, como voltar atrás? Sinceramente, também não sei se tal seria desejável. O acrisolamento da fé também tem destas coisas e, definitivamente, o tempo de Deus não é o nosso tempo. O que sei, é que a frequência dos sacramentos não é prescindível e constitui o itinerário de fé de qualquer cristão católico. Não é substituível por nada. Nada.

Colocar a Covid – ou qualquer outra doença – à frente da fé, é impugná-la e, mesmo que inconscientemente, desdizer a ressurreição de Jesus. Obviamente, que se devem cumprir regras, mas a vida não pode voltar a parar. Muitas vezes, a putativa generosidade de salvaguarda da saúde de terceiros constitui antes um álibi para o terror individual que vive dentro de cada um.

Recorde-se que, quer nas grandes pandemias que assolaram a Europa, quer nas duas guerras mundiais, as igrejas nunca fecharam. Ora, é precisamente nos momentos de grandes crises que o acesso aos sacramentos se torna ainda mais importante.

Não deixem de frequentar a Santa Eucaristia. Pelo menos ao Domingo. Não obstante, os bispos de Gales e Inglaterra terem aconselhado a frequência da missa semanal como alternativa à missa dominical –  -, nada substitui a missa de Domingo. A missa de Domingo tem um significado único e último, de assinalar a ressurreição de Jesus Cristo, Deus feito Homem. Domingo = dies Dominicus, é o Dia do Senhor. Aliás, neste momento e salvo raras excepções, nem sequer é necessário cumprir o distanciamento social: as igrejas estão vazias e o número de pessoas nas missas é mínimo.

Receber a Comunhão ou a Eucaristia, é receber o próprio Cristo, o Filho de Deus vivo, que está sob as espécies sacramentais. Na Eucaristia estão “contidos verdadeiramente, realmente e substancialmente o Corpo e o Sangue juntamente com a alma e a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e, por conseguinte, o Cristo todo”. “Esta presença chama-se ‘real’ não por exclusão, como se as outras não fossem ‘reais’, mas por antonomásia, porque é substancial e porque por ele Cristo, Deus e homem, se torna presente por completo.” (Catecismo da Igreja Católica, 1374).

Ainda mais agora, que o testemunho cCristão se torna tão manifestamente necessário. Depois, não nos queixemos dos outros e de uma alegada sociedade em degradação. Não. Se o Evangelho não passa, a responsabilidade não é da sociedade, mas sim dos próprios cristãos. São os cristãos que se têm de mobilizar e ir ao encontro das mutações sociais, seja para melhor adaptar o discurso, seja para melhor as perceber, seja para melhor as contrariar, seja para o que for. Desinstalem-se! Mexam-se! Depois, não se queixem.

É que as abetardas – esses grandes pássaros tímidos e fugidios… -, por vezes, surgem de onde menos se espera. Então não foi o próprio Presidente da República que lançou a ideia de um “Natal diferente”? Já não bastava a Páscoa ter sido o que foi, para agora tão insigne vulto sugerir súbita e jovialmente tão despropositado desígnio. Inoportuno, viscoso e escorregadiço. Escorregadiço, porque propiciador de vertiginosos tombos… Tudo para que as famílias não se encontrem no Natal? Sr. Presidente, necessitava-se dessa sua imaginação, mas para outras finalidades…

E ninguém protesta? Que silêncio… O medo de morrer derrotou os cristãos? Inacreditável.

Desalentar a quadra natalícia devido aos seus colossais ajuntamentos familiares – !?!? – será, não apenas mais uma derrota dolorosa para todos os cristãos – e mais um voluptuoso triunfo para a desconstrutiva bourgeoisie caviar -, mas também uma precisa estocada final na economia e na sustentabilidade do tecido social português, tanto a curto como a médio e longo prazo.

Tudo isto me fez recordar uma história de alguém completamente ateu e que opinava sobre a Eucaristia: “Não acredito em nada disso, é tudo uma grande treta; mas se vocês católicos acreditam que aquilo que comem é mesmo o corpo e o sangue de um Deus, bom, se fosse eu e acreditasse nisso, estaria na igreja todos os dias e, se possível, a toda a hora.”

Um Santo e Feliz Natal para todos!