O Partido Socialista deu entrada na Assembleia da República de um projecto-lei para o alargamento da Interrupção Voluntária da Gravidez para as 12 semanas.
Esta nova intenção dos socialistas foi trazida à praça pública pela voz de Alexandra Leitão, representante máxima da ala esquerda do PS mais à esquerda que Portugal já conheceu. Caricato no mínimo, mas a verdade é que se o PS de agora é parecido com o Bloco de Esquerda, pensa como este e até disputa as suas bandeiras… então é bem provável que esteja mesmo a transformar-se no Bloco de Esquerda em ponto grande.
O Partido Socialista quer o alargamento da IVG até às 12 semanas, ou seja, quer alterar uma lei aprovada com recurso a referendo apenas com uma votação no Parlamento, desconsiderando totalmente a vontade popular. O povo português, que na sua maioria disse sim à IVG, é verdade, mas que em referendo disse sim à IVG apenas até às 10 semanas – porque era precisamente isso que estava na pergunta que foi referendada – “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”.
Perante a ausência de propostas para o país real, o PS tenta desesperadamente ressuscitar para a agenda mediática o fantasma do aborto, como aliás já havia tentado fazer – sem êxito – na campanha legislativa e europeia. Mas qual a razão para passar agora das 10 para as 12 semanas, ainda por cima num país em que, segundo dados da DGS, o tempo médio das interrupções voluntárias da gravidez ocorre às 7 semanas?
Tenho para mim que parte da esquerda portuguesa só descansará quando a lei se assemelhar à que já vigora em alguns Estados dos Estados Unidos da América. Agora é alargar para as 12 semanas, amanhã para as 14 (como já propõe, aliás, o BE) e ir aumentando a possibilidade de IVG praticamente até ao último dia da gestação. É o PS a ser o engolido por uma agenda woke, que pensávamos estar circunscrita ao Bloco de Esquerda, ao Livre e à restante extrema-esquerda, mas que afinal também existe nas mais altas esferas do Largo do Rato.
Ao contrário do que Alexandra Leitão considera, quando o povo português disse sim à IVG até às 10 semanas fê-lo não por considerar que o aborto fosse em si mesmo uma coisa boa, mas antes um mal necessário. O Estado português, desde 2007, tem falhado perante as mulheres, principalmente perante aquelas que até queriam levar por diante a sua gravidez, mas que por falta de proteção social não o conseguem fazer – porque o próprio Estado lhes aponta o aborto como a solução mais simples, rápida e gratuita, sem nunca lhes tentar apontar o caminho da Vida como uma solução estável, segura e viável – mesmo numa altura em que vivemos em plena emergência demográfica e em profunda crise de natalidade.
Hoje, por cada 1000 gravidezes viáveis em Portugal existem 210,6 abortos por opção da mulher, ou seja, já mais de 20% das gravidezes acabam em IVG. Em 2023, o jornal Público noticiava que, desde o referendo até ao final de novembro desse ano, já se tinham realizado em Portugal mais de 250 mil abortos por opção da mulher.
Há muito trabalho a fazer para que a escolha livre das mulheres sobre o futuro da sua gravidez seja verdadeiramente livre. Porque só haverá liberdade a sério quando houver ajuda a sério às mulheres que preferiam não ter que recorrer ao aborto.
Quem está na política tem de ter convicções e, sobretudo, coragem para as defender. A minha é clara: não se muda sem recurso a referendo o que foi decidido pelo povo em referendo!
O único tema de consciência aqui é se temos ou não a consciência de que mudar na Assembleia da República uma lei que foi decidida em referendo seria o absoluto descrédito das instituições democráticas aos olhos do nosso povo!
Este tema está resolvido – e muito bem resolvido – na sociedade portuguesa e quem o nega só o pode fazer por radicalismo ou por oportunismo, ou neste caso em concreto, por ambos os motivos.
Não há temas indiscutíveis em democracia. No debate político não devem haver tabus. E, por isso, não devemos ter medo de discutir a IVG, mas quem quiser alterar a atual lei deve fazê-lo em absoluta lealdade ao povo português: sempre e apenas através de um novo referendo.