1 Estou muito admirado por tantos políticos portugueses não distinguirem entre o interesse estratégico nacional na construção de um novo aeroporto, que é evidente, e a o interesse em que esse aeroporto só possa ser no Montijo, o que evidentemente não é de interesse estratégico.

Então se o aeroporto for em Alcochete, ou em Rio Frio, o interesse estratégico nacional não fica servido?

Então não é óbvio que politicamente, tecnicamente, economicamente, ambientalmente, urbanisticamente, eleitoralmente, municipalmente, é possível defender racionalmente outras opções?

Então dá-se por assente que o interesse estratégico nacional exige que o novo aeroporto seja no Montijo, e só no Montijo?

Que vergonha!

2 Não há muito tempo, o interesse estratégico nacional era que o aeroporto fosse na Ota. Perante a alternativa de ser em Rio Frio, o então Ministro socialista da pasta declarou que, na outra margem do Tejo, «jamé»: jamais.

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3 Depois disso, a hipótese de ser em Alcochete foi estudada e finalmente aprovada pelo Governo de Portugal. Porque então satisfazia o interesse estratégico nacional. Num artigo publicado recentemente na imprensa por José Sócrates, ele provou, sem contestação, que a hipótese Alcochete estava completamente estudada e aprovada. Podia ser imediatamente executada. Ora, a voz de José Sócrates não passou despercebida. Mas ninguém então respondeu publicamente que essa opção não satisfazia o interesse estratégico nacional. Deixaram a questão passar em julgado. Porém agora pretende-se decidir como se fosse possível esquecer tudo isto.

4 Quanto à hipótese de Rio Frio, nunca foi criticada por não ser capaz de servir o interesse estratégico nacional. Pelo contrário. Seria obviamente a melhor solução estratégica, sob todos os aspectos, desde logo porque permitia o encerramento do aeroporto da Portela em Lisboa. A questão foi sempre de mais ou menos custos, mais ou menos distâncias e transportes, de melhor ou pior ambiente. Trata-se portanto de uma avaliação de custos e benefícios, não de uma opção estratégica.

5 E como é que — lamentavelmente! lamentavelmente! — se pode omitir a maior questão estratégica de todas, que é a de que o aeroporto da Portela, em Lisboa, não poderá manter-se sequer a médio prazo? A programada continuação do aeroporto da Portela é um crime contra Lisboa e o futuro. Este aeroporto não poderá ser eterno no meio de Lisboa, massacrando e poluindo os seus habitantes, a ponto de não poder funcionar plenamente em muitas horas do dia. A hipótese do Montijo é o mesmo que dizer: vamos prolongar o mais possível o funcionamento do aeroporto da Portela, no meio de Lisboa. E os lisboetas, não protestam? Que diz o Presidente do Município de Lisboa aos seus munícipes? Está calado? Não é com ele?

6 António Costa, como governante, quando aprovou a lei que dá competências aos municípios em matéria de ambiente, achou que era necessário e justo que os municípios tivessem um poder de veto sobre projectos que afectam gravemente o inevitável eco-sistema ambiental onde as respectivas populações vivem e não podem nem devem abandonar, desde séculos. O que aliás corresponde ao pensamento do neoconstitucionalismo moderno, que defende a democracia participativa e as autonomias cidadãs sobretudo em matéria de gestão e defesa dos chamados bens comuns imediatos. Como são criticamente os bens comuns do urbanismo e do ambiente. Mas agora, o mesmo governante António Costa quer revogar a lei de António Costa.

7 Mas então — é forçoso perguntar —, não foi sempre em defesa do interesse estratégico nacional que António Costa governou e legislou? Quem mudou? Foi o interesse estratégico nacional? Ou foi o interesse de António Costa? E nós? Estamos sempre (sempre!) mansamente de acordo com ele?

8 E Rui Rio? Que diz que agora a questão mudou. Mas não mudou. Porque o Governo mantém em aberto a hipótese do Montijo. E se, com a nova lei, optar por impor o aeroporto no Montijo, acha o Dr. Rui Rio que a lei não foi mudada para resolver este caso pendente como o Governo queria? Vá lá. Confesse o seu interesse estratégico pessoal.

Então o PSD não defendeu sempre que era pelo aumento das competência municipais, e não pela criação de regiões administrativas, que se devia descentralizar o Estado e fazer crescer a democracia participativa? O programa do PSD não mudou, apesar de terem sido saneados sessenta por cento dos deputados do PSD da anterior legislatura. O que merecia ir para o Guiness.

9 Por mim… «jamé»! Como cidadão português, voto contra a nova lei. Não voto «a bem da Nação».

Estou com as fundamentais autonomias municipais. O Governo da «res publica» tem de aceitar a divisão dos poderes políticos. E a necessidade da cooperação entre poderes democráticos. Se soberano é só o Estado central, então não há «demo-cracia».

A ideia de que o povo é soberano mas aliena completamente a sua soberania no atribuição do seu exercício soberano ao poder político central, para só depois este o distribuir ou não, a seu bel prazer, pelos corpos sociais e pelos cidadãos, não é uma ideia democrática genuína. É uma falsificação jacobina do exercício da demo-cracia. É uma reedição da velha doutrina de Bodin, que levou à defesa do absolutismo real.

10 Não. O interesse estratégico nacional não impõe que o novo aeroporto só pode ser no Montijo. E portanto a revogação da lei que reconhece a autonomia dos municípios em matéria de ambiente local é uma revogação oportunista, anti-democrática e inconstitucional.

Os municípios que se defendam. Já que os partidos os abandonam. Talvez porque desprezam os cidadãos não partidários e odeiam os autarcas independentes.