Hoje, chegam ao Patriarcado de Lisboa os símbolos das Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ) que, desde Novembro de 2021, peregrinam por todas as dioceses portuguesas. Na primeira semana de Agosto, muitos milhares de jovens vão participar, em Lisboa, nas JMJ. Este evento eclesial é o que congrega mais gente nova em todo o mundo: esperam-se uns seiscentos mil peregrinos.

Apesar da propaganda anticristã, a juventude adere, com grande entusiasmo, às JMJ, atraída por Cristo, que é “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6), pela sua Igreja e pelo seu representante na terra, o Papa. Nesta sua atitude tão desafiante, os jovens do mundo inteiro manifestam, sobretudo, a rebeldia de serem cristãos. Numa sociedade que quase só valoriza o poder, o dinheiro e o prazer, ser católico é, de facto, um grande atrevimento, que exige muita coragem. Os boys dos partidos querem poder; os millenials vivem para o dinheiro; a geração alfa sonha com electrónica; enquanto a juventude cristã tem por ideal a verdade e, por objectivo, o serviço, a mais solidária e efectiva manifestação da caridade cristã.

Não é por acaso que, como consequência natural destes encontros de jovens católicos, costumam desabrochar muitas vocações para o sacerdócio, para a vida religiosa e missionária, bem como para o seguimento de Cristo no meio do mundo. Certamente, uma decisão tão relevante como é a vocacional, não se decide num breve encontro, porque o entusiasmo do momento não pode substituir a reflexão profunda e serena que a questão exige. É próprio da juventude cristã a generosidade e o espírito de aventura, mas uma opção tão exigente tem de ser prudentemente ponderada, como foi a dos jovens diáconos do Patriarcado de Lisboa que, amanhã, vão receber a ordenação presbiteral.

A este propósito, há que voltar ao livro de um sociólogo italiano, já aqui referido em crónicas anteriores, porque traça, segundo a jornalista que o entrevistou, um retrato “devastador” dos seminários católicos. Segundo este autor, “a maior parte dos seminaristas são pessoas muito frágeis e inseguras, que procuram na Igreja Católica uma organização que lhes dê estabilidade e segurança. Os seminários funcionam como uma ‘instituição total’, que controla todos os aspectos da vida de quem os frequenta […] numa espécie de prisão durante seis anos, separado do resto do mundo.” Mais adiante, insiste na mesma tecla, ao dizer que os seminaristas são tratados “como se fossem crianças num jardim-infantil” e, por isso, “desenvolvem uma vida dupla: uma pública e outra secreta”, ou seja, uma existência hipócrita. Chega até a dizer que, na Igreja, “a hipocrisia é estrutural e endémica. O valor da hipocrisia é das coisas mais importantes que eles aprendem nos seminários.” (Público, 22-5-23).

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O exagero deste discurso evidencia o preconceito anticristão do seu autor e, portanto, descredibiliza a sua investigação, supostamente científica. A realidade, graças a Deus, nada tem a ver com esta inverosímil caricatura.

Pode ser que, em séculos passados, alguns rapazes, de meios mais desfavorecidos, procurassem nos seminários o acesso a uma formação que o Estado não lhes proporcionava, nem podiam alcançar se não fosse por via da Igreja, que deu, quase sempre gratuitamente, educação superior a milhares de jovens oriundos de famílias mais carenciadas. Muitos deles, graças a essa excelente preparação humanística e científica, descobriram que a sua vocação era, efectivamente, o sacerdócio, mas outros chegaram à conclusão de que esse não era o seu caminho, optando, sem traumas, pela vida civil, onde muitos se destacaram como excelentes professores, advogados, sociólogos, políticos, escritores, jornalistas, etc. Em geral, estes ex-seminaristas mantiveram uma reconhecida e muito feliz lembrança da sua passagem pelo seminário, a que ficaram gratos pela valiosíssima ajuda que a instituição lhes prestou, não apenas na sua instrução intelectual, mas também religiosa e moral, que é deficiente, senão inexistente, no ensino estatal.

Como acontece nos tempos de perseguição à Igreja, os actuais seminaristas sabem que escolheram um caminho árduo e incompreendido, pois ser padre, numa sociedade como a nossa, é ser, à imagem e semelhança de Jesus de Nazaré, “sinal de contradição” (Lc 2, 34). Por isso, as “pessoas muito frágeis e inseguras, que procuram […] uma organização que lhes dê estabilidade e segurança”, evitam a Igreja e inscrevem-se nas juventudes partidárias, ou instituições análogas, onde encontrarão a estabilidade que a vida cristã a ninguém oferece, sobretudo na sua expressão sacerdotal. Na realidade, só os mais fortes são capazes de fazer uma opção tão radical como a do sacerdócio, ou seja, deixar tudo para se entregarem ao serviço de todos, sabendo de antemão que não só não serão elogiados, como provavelmente vilipendiados, como foram, aliás, nessa publicação e na entrevista que lhe deu, sem contraditório, escusada publicidade.

Se, em outros tempos, as famílias e o ambiente social fomentavam o seguimento mais radical do Mestre, por via da consagração sacerdotal, hoje, pelo contrário, a mais veemente oposição procede, muitas vezes, das famílias descristianizadas e do ambiente materialista e hedonista. Por isso também, só os rapazes com mais personalidade e determinação são capazes de ultrapassar, com a graça de Deus, essas contrariedades, porque os mais frágeis e inseguros acabam por ceder, em vez de optarem pela escolha, certamente heróica, a que Cristo, pela sua Igreja, os chama.

A visão do seminário como uma “espécie de prisão”, ou “jardim-infantil”, espelha mais a mentalidade preconceituosa do autor do que a realidade, não só porque todos os seminaristas recebem uma excelente preparação filosófico-teológica, que corresponde a uma licenciatura com mestrado integrado, necessária para a missão sacerdotal, como vários deles concluíram antes um curso superior, ou frequentaram estudos universitários. Na realidade, o referido sociólogo parece ter recuado à figura, decerto simpática, mas anedótica, dos antigos párocos de aldeia, ao jeito do quase centenário Don Camilo, a lendária personagem criada por Giovanni Guareschi. Felizmente, a realidade dos seminários, em Portugal e no resto da Europa, nada tem a ver com esse modelo anacrónico e caricato.

O ambiente, interdito e claustrofóbico, que este autor supõe ser o dos seminários, também não é real. Precisamente porque os seminaristas, para efeitos dos seus estudos filosófico-teológicos, frequentam a universidade, aí convivem, com total liberdade, com muitos rapazes e raparigas que, como eles, também estão a fazer os seus cursos universitários. Nunca perdem o contacto com as suas famílias, porque, para além das suas idas a casa, também as famílias visitam o seminário, em encontros gerais ou particulares, agendados ou ocasionais. E, durante as férias, os seminaristas estão, a tempo inteiro, com as suas famílias e amigos.

O seminário, longe de ser um espaço fechado, é uma casa de portas abertas à Igreja e ao mundo. Não só recebe a visita de vários grupos eclesiais, como os seus alunos participam em diversas actividades pastorais, como campos de férias, acampamentos, Missão País, etc. Desde os primeiros anos, os seminaristas colaboram, sob a orientação de um pároco, no trabalho pastoral, preparando-se para a sua posterior vida sacerdotal que, portanto, não é nenhuma surpresa para um padre diocesano recém-ordenado.

Talvez não haja nenhum currículo de formação tão exigente e equilibrado, nas suas vertentes teórica e prática, como o que é oferecido aos seminaristas, o que também explica a grande qualidade, não apenas espiritual, mas também humana, da esmagadora maioria dos sacerdotes católicos. Por isso, se em outras classes profissionais grassa a insatisfação – pense-se nos professores, funcionários públicos, médicos e enfermeiros, polícias, etc. – o mesmo não acontece, em geral, com os padres católicos, não obstante a generalizada incompreensão e hostilidade de alguma opinião pública, muito artificialmente ampliada por uma certa comunicação social.

A recorrente afirmação da suposta hipocrisia da Igreja e dos seminários é tão soez que só merece a resposta que dei, há já uns anos, a alguém que, com grande arrogância, me dizia que não ia à igreja, porque estava cheia de hipócritas. Respondi-lhe à letra, mas com um sorriso: Não se preocupe, há sempre lugar para mais um!