A chegada do gás de xisto norte-americano à Europa através do porto de Sines poderá não afectar, por enquanto, os fornecimentos desse combustível russo ao Velho Continente, mas pode ser mais um sinal de que os europeus se preocupam com a sua segurança energética e diversificam as fontes de fornecimento.

Alguns analistas russos viram na chegada do primeiro navio carregado de gás liquefeito dos Estados Unidos a Portugal o início de uma guerra económica e geopolítica com vista a diminuir a dependência da Europa em relação aos fornecimentos da Gazprom russa.

“O preço da extracção do gás de xisto nos Estados Unidos é bastante alto e a América poderá organizar maiores fornecimentos para a Europa só se conseguir realizar isso a preços vantajosos para si. Mas, no caso da descida de preço ir além do nível de rentabilidade para a concorrência, a Rússia, cujo orçamento se baseia significativamente nos lucros da exportação de gás não perderá pouco”, considera Valeri Mironov, vice-director do Centro de Desenvolvimento da Escola Superior de Economia de Moscovo.

Actualmente, a Gazprom fornece à Europa um terço do gás natural que ela consome através de vários gasodutos, um dos quais passa através da Ucrânia e tem sido instrumento de guerras políticas e económicas entre Moscovo e Kiev.

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Quando se começou a falar da possibilidade de exportação de gás natural dos Estados Unidos para a Europa, os dirigentes da Gazprom desvalorizaram isso, frisando, nomeadamente, que o gás russo era fornecido através de gasodutos e que o combustível norte-americano tem de primeiro passar por várias fases de transformação antes de chegar aos consumidores. Porém, actualmente já admite reduzir as suas despesas para manter o poder de concorrência.

“Durante muitos anos, a Gazprom apresentou prognósticos para se auto-acalmar ao afirmar que a extracção de gás de xisto nos EUA não resultaria, que as suas posições eram bem sólidas. A nova tendência não promete choques sérios no presente, mas pode criar problemas num futuro não muito longínquo”, considera Alexei Portanski, professor da mesma escola.

A Gazprom trabalha com os clientes europeus na base de contratos de fornecimento a médio e longo prazo e certamente que eles não pretenderão rompê-los pois poderão ser obrigados a pagar pesadas multas, mas, como é sabido, todos os contratos chegam ao fim.

Tudo irá depender das quantidades e da qualidade do gás natural que os Estados Unidos irão fazer chegar ao Velho Continente. Serguei Pikin, director-geral do Fundo de Desenvolvimento Energético sublinha: “Por enquanto, trata-se de fornecimentos relativamente muito pequenos em comparação com os da Gazprom. Esta deverá estar atenta se tentativas dessas se irão transformar em fornecimentos de peso”.

“A questão será resolvida com os preços e a qualidade do gás… Vejamos como a situação irá continuar a desenvolver-se.

Iúri Iuchkov, professor da Universidade Financeira junto do Governo russo, considera que o envio de gás norte-americano para a Europa não irá prejudicar os interesses da Gazprom, mas sim da Argélia: “Eu preocupar-me-ia mais com a Argélia, porque o seu gás faz concorrência ao americano mais caro. Isto permite supor que os EUA poderão dar verde ao movimento revolucionário na Argélia para afastar o concorrente… Além disso, não nos devemos esquecer da amizade dos EUA e do Qatar, para o qual a Argélia é concorrente”.

As preocupações do Kremlin face a este problema estão bem claras numa análise publicada pelo jornalista Vladimir Ardaev na página da agência oficial russa Ria com o título sintomático “Ataque de gás dos Estados Unidos”: “O início dos fornecimentos de gás condensado americano para a Europa deve ser considerado principalmente como uma mina de acção retardada. Ou um aviso ameaçador”.

Seja como for, mas esta discussão veio colocar no centro das atenções o carácter estratégico do porto de Sines neste caso.

Portugal e a Península Ibérica podem ser um dos pontos nevrálgicos globais para as exportações de gás de xisto. Em Setembro do ano passado, Gurkan Kumbaroglu, presidente da Associação Internacional de Economia da Energia (IAEE), declarou durante uma conferência na Universidade de Aveiro que há duas regiões da Europa a progredir rapidamente para se tornarem ‘hubs’ de gás natural: a Turquia na Europa Oriental e Portugal na Europa Ocidental.

“O crescimento económico está a aumentar a importância da energia em todo o mundo. As perspectivas de diversificação da oferta e da concorrência representam esperança para o futuro dos preços da energia como um dos principais itens na Europa. Por exemplo, a evolução do gás de xisto nos EUA tem efeitos nos balanços energéticos por todo o mundo. Os EUA aumentaram o seu peso no panorama global de energia. A Península Ibérica é influenciada por este desenvolvimento e pode tornar-se uma nova porta para a energia na Europa. Em outras palavras, a Turquia é um dos extremos e a Península Ibérica, no lado mais ocidental, com Portugal e Espanha, pode vir a ter a energia como uma nova fonte potencial de rendimento”.

Se assim for, o porto de Sines poderá transformar-se num dos importantes canais de diversificação dos fornecimentos de gás aos países da União Europeia e assim contribuir para que a Rússia não possa utilizar esse combustível como arma política.