1 Neste regresso de férias, tenho de confessar que estava a preparar com sérias dificuldades um apanhado das muitas (e muito preocupantes) leituras do período estival. Só que, de repente, neste último sábado, 2 de Setembro, Sir Simon Schama resolveu as minhas dificuldades com uma fantástica manchete no FT Weekend: “The real RINO (Republican in name only): How Trump ditched conservative values”.
Com este título magnifico, e com o brilhante artigo que se lhe segue, Sir Simon (que é professor de História na distinta Columbia University) descreve mil vezes melhor do que eu poderia conseguir aquilo que eu estava esforçadamente a tentar escrever.
Basicamente, (1) que Trump e os seus seguidores na América (bem como noutros lugares) estão a romper dramaticamente com a tradição conservadora-liberal que ancestralmente distingue o Partido Republicano (GOP, “Grand Old Party”); (2) que este é um desafio crucial para os conservadores e a direita democrática – nos EUA e seguramente não só nos EUA, também na União Europeia e no Reino Unido.
2 Ainda que eu próprio tenha vindo a argumentar com alguma insistência (designadamente nas minhas crónicas neste jornal) neste mesmo sentido, tenho de confessar que fiquei surpreendido ao verificar, ao longo do mês de Agosto, o crescente número de ensaios e artigos sobre este mesmo tema.
O ponto distintivo é que esses textos não são oriundos da chamada ‘esquerda’, mas de muito respeitáveis instituições do centro e do centro-direita. Para citar apenas algumas, devo mencionar o American Enterprise Institute for Public Policy Research, o Acton Institute for the Study of Religion & Liberty bem como a publicação Law & Liberty, editada pela Fundação Liberty Fund (todas elas sediadas nos EUA).
Um dos excelentes ensaios — publicado na revista Religion & Liberty, do Acton Institute — é mesmo intitulado “Is the New Right Fascist?”. Após uma longa e muito instrutiva visita retrospetiva às características intelectuais do fascismo europeu dos anos 1920-40, o autor, James M. Patterson, chega a uma conclusão curiosa: “The New Rigt Is Not Fascist – Yet”.
3 A questão crucial que todos estes ensaios colocam foi apresentada por Sir Simon:
“Expressa da forma mais simples, a questão é a seguinte: será o populismo conciliável com o conservadorismo? Qual das duas ideologias – porque elas são não apenas distintas mas também profundamente contrárias entre si – constitui o verdadeiro Partido Republicano?”
Sir Simon ajuda a responder a esta pergunta recordando o contraste do populismo primário de Trump com os promotores do sofisticado conservadorismo republicano dos anos 1950 e 1960: Russell Kirk e William F. Buckley Jr., que em boa parte viriam a inspirar o programa conservador liberal de Ronald Reagan.
4 No centro do contraste entre o populismo de Trump e a tradição conservadora-liberal do Partido Republicano (para já não falar da tradição conservadora-liberal britânica, bem como europeia, com especial referência à Democracia Cristã) está a questão da atitude perante o que gosto de designar por “velha democracia liberal”.
O contraste ficou chocantemente patente no assalto ao Capitólio de 6 de Janeiro de 2021, uma bizarra (para dizer o mínimo) demonstração revolucionária e anti-conservadora, além de obviamente anti-democrática.
No plano intelectual, o contraste exprime-se na constante obsessão do discurso da “Nova Direita”, não só nos EUA como em vários países europeus, com a primitiva oposição entre “o povo contra a elite”. Esta demagógica dicotomia era crucial nos discursos revolucionários do nacional-socialismo nazi e fascista, assim como nos discursos revolucionários marxista, leninista e maoista.
Esta fatal dicotomia foi intelectual e politicamente enfrentada pelas direita e esquerda democráticas, que recordaram um pormenor crucial (entre outros): que, na velha e muito estimável democracia liberal, não há uma unicidade (um termo apropriadamente de má memória do PREC lusitano) de “um povo” nem de “uma elite”. Há pluralismo – quer entre o chamado “povo”, quer entre a chamada “elite”.
E este pluralismo exprime-se na liberdade de expressão e de associação – de que a concorrência pacífica e respeitosa (gentlemanly, dizia-se nos bons velhos tempos) entre partidos diferentes, muitas vezes rivais, é um distintivo primordial.
5 Em suma, talvez não fosse pior estudar um pouco da Tradição da Liberdade, europeia e ocidental, que subjaz às nossas velhas e muito estimáveis democracias liberais.
