1 Em 10 dias tudo mudou. O PS deixou de ter uma dinâmica de vitória. Luís Montenegro deixou de ser o bombo da festa dos comentadores televisivos, sendo criticado por tudo e por nada — mesmo de comentadores que se apresentam como representando o espaço do centro-direita. E o Chega até pode consolidar-se como terceira força política mas André Ventura arrisca-se a ficar como a carochinha que fica solteira para sempre.
Começando pelos Açores. Luís Montenegro arriscou, ganhou em toda a linha e credibilizou a sua estratégia do “não é não” em relação ao Chega. Com a ajuda preciosa de José Manuel Bolieiro, o país ficou a perceber duas coisas essenciais:
- A AD não negoceia com o Chega e governará em minoria.
- O PS/Açores seguiu a estratégia nacional de Pedro Nuno Santos, recusou viabilizar o Governo Regional da AD e pode ser um promotor ativo de instabilidade política.
Este último ponto é fundamental para percebermos como as eleições regionais dos Açores tiveram mais do que nunca uma leitura nacional.
É certo que o PS de Pedro Nuno Santos quer repetir a estratégia de António Costa em 2022 e assustar o eleitorado moderado com o papão de uma possível aliança do PSD (leia-se AD) com o Chega. Daí que já tenha deixado claro há várias semanas que não viabiliza um eventual Governo minoritário da AD no pós-10 de março.
2 O primeiro problema desta estratégia é que o contexto de 2024 pouco ou nada tem a ver com o de 2022. Por vária razões que se resumem na seguinte chave: protagonistas + desgaste da maioria do PS + quase impossibilidade do bloco da esquerda parlamentar ter maioria absoluta.
Em primeiro lugar, o líder do PSD já não se chama Rui Rio — que tinha características autoritárias e populistas que o aproximam claramente do Chega de André Ventura. O líder social-democrata é Luís Montenegro e tem uma forma de fazer política marcada pela moderação, ao contrário de Rio e também de Pedro Nuno Santos.
Por outro lado, António Costa chegou às eleições legislativas em 2022 com a aura do vencedor da pandemia, com boa imagem no eleitoral e claramente em posição de força. Pedro Nuno Santos é obrigado a defender como líder do incumbente um legado de uma governação com oito anos marcada por sucessivos escândalos que levaram à saída, no âmbito do último governo, de 13 governantes em 16 meses e estiveram mesmo na origem da queda do Executivo.
O desgaste político da governação socialista é tremendo e isso é claramente percecionado pelos eleitores.
Além das escolas sem professores, o caos instalado nos hospitais, a perda de poder compra e os juros elevados, há outro facto que muda claramente a situação face a 2022: a esquerda (PS + BE + CDU + PAN + Livre) praticamente não tem hipótese de ter maioria absoluta no Parlamento.
Ou seja, o PS não consegue derrubar o Governo com uma moção de rejeição do programa do Governo, como fez em 2015. E, se esse cenário se concretizar, os socialistas não conseguem oferecer uma alternativa de estabilidade: a reedição da geringonça. Por uma razão simples: provavelmente, não terão votos suficientes para isso.
3 Acresce a tudo isto o facto de a estratégia de Pedro Nuno Santos assentar num pressuposto que os Açores deitaram por terra: a de que a AD vai sempre aliar-se ao Chega, caso o PS recuse a viabilização do Governo.
O que aconteceu nos Açores credibilizou definitivamente a estratégia do “não é não” de Luís Montenegro. Ou seja, se o PS ficou agora sem narrativa e sem discurso.
Pior: o PS/Açores assumiu-se como um factor de instabilidade ao anunciar sem mais que o grupo parlamentar socialista iria chumbar o Programa de Governo de Bolieiro. Tudo porque mesmo uma abstenção do Chega pode derrubar o Governo Regional. Só se a Iniciativa Liberal e/ou o PAN votarem ao lado da AD é que o Executivo é viabilizado.
Mas o mal já está feito: o PS de Vasco Cordeiro foi a primeira força política a dizer claramente que quer derrubar o Governo Regional quando as eleições acabaram de ocorrer. O eleitorado não costuma premiar quem é um agente activo da instabilidade.
É precisamente essa imagem isolada e radical que o PS de Pedro Nuno Santos também está a passar no Continente — e isso poderá ser percecionado pelos eleitores a 10 março como algo negativo para a estabilidade do país. O que é terrível para um partido como o PS que luta pelo eleitorado do centro.
Na prática, foi isso que tentaram dizer Francisco Assis e Tiago Antunes, nas críticas que expressaram à posição assumida pelo PS/Açores. Infelizmente, António Costa radicalizou o PS — como já o disse várias vezes — e essa herança vai levar tempo a desaparecer.
4 Também André Ventura ficou de cabeça perdida com o que aconteceu nos Açores, mas acima de tudo como o que Luís Montenegro reafirmou olhos nos olhos no debate desta 2.ª feira: “não é mesmo não”.
E aqui é importante recordar que Ventura já prometeu em dezembro que iria apresentar uma moção de rejeição — igual à de António Costa em 2015 — do programa de um eventual Governo da AD que saia das eleições de 10 de março. Tudo porque o Chega não podia admitir ficar de fora de um Governo liderado pela AD.
Da ameaça travestida de chantagem, evoluiu para um recuo estratégico, regressou ao silêncio, insultou o PSD como “prostituta política” e acabou a mendigar por conversações com a AD no pós-10 de março após Luís Montenegro ter reafirmado de que não haveria qualquer espécie de negociação com o Chega.
Não é que seja propriamente uma novidade, mas André Ventura não passa de um cata-vento político. Pior: arrisca-se mesmo a não contar para o totobola a seguir às eleições.
5 Luís Montenegro conseguiu reforçar a sua credibilidade como candidato a primeiro-ministro nos últimos 10 dias fazendo algo que muitos não consideravam possível: arriscou nos Açores (e ganhou) e tem-se mantido totalmente fiel à sua estratégia de recusar qualquer aliança com o Chega, esvaziando o bicho papão que o PS e a extrema-esquerda tentaram criar.
Acresce que, tendo em conta a autêntica barragem de escrutínio e censura que tem tido na comunicação social, as expetativas sobre Luís Montenegro eram claramente baixas antes do início dos debates televisivos. O líder da AD começou muito bem contra Marina Mortágua, continuou com Paulo Raimundo e Inês Sousa Real e atingiu o seu máximo contra André Ventura.
Foi no debate contra Ventura que a lógica do voto útil atingiu o seu ponto máximo de eficácia, até ao momento. Não só por ter reafirmado ‘olhos nos olhos’ o “não é não”, mas também pela demonstração do irrealismo das propostas do Chega (que quantificou em mais de 25 mil milhões de euros) e o apelo direto ao voto dos eleitores do PSD que fugiram para o partido de Ventura.
Estas eleições resumem-se a uma ideia: vamos ter continuidade ou mudança? Luís Montenegro tem conseguido fazer com que a ideia da mudança comece a instalar-se no eleitorado.
A principal prova disso é que Pedro Nuno Santos já foi obrigado despir o fato de candidato moderado, assumindo a sua verdadeira persona política de radical e combatente. Mais: no debate com Rui Tavares fugiu-lhe a boca para a verdade e admitiu mesmo que a situação é completamente diferente da de 2022 porque “há o risco da AD vencer”.
Ainda falta muita estrada até à meta de 10 de março — e, tendo em conta os rumores que circulam nos bastidores, ainda muita roupa suja vai ser lavada em público. Logo, nada é certo. Mas, para já, Luís Montenegro conseguiu virar o jogo e está numa boa posição para o resto da corrida.
Texto alterado às 13h34
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