A crer nas sondagens e no que dizem os sócios da actual maioria parlamentar, este não será o último ano da geringonça. Se António Costa não obtiver uma maioria absoluta, é quase certo que a geringonça continuará. É o que Costa repete há anos, e não há razões para não acreditar nele ou para esperar que os seus parceiros, por mais agrestes que se mostrem durante a campanha eleitoral, se escusem a novo entendimento. BE e PCP vão precisamente pedir votos com um único argumento: influenciar a governação do PS. De resto, Catarina Martins já deve ter tirado as devidas lições do vexame que, em Espanha, Sánchez administrou a um Iglesias demasiado ganancioso.
Mas se Costa arranjar a sua maioria absoluta, nem por isso a geringonça chegará ao fim. É que a geringonça não emergiu simplesmente da ocasional necessidade de Costa procurar amparo na extrema-esquerda, após o seu fracasso eleitoral de 2015. Resultou, também, do ambiente criado pela Grande Recessão de 2008 e pela crise das dívidas soberanas da zona Euro. Dentro do PS, muita gente convenceu-se de que só atitudes radicais o poderiam poupar ao destino do Pasok. Como é que Pedro Nuno Santos, o mais sério candidato à sucessão de Costa, escapou às garras do anonimato? Gritando a alemães e franceses, no fim de 2011: “ou os senhores se põem finos ou nós não pagamos”. Admitindo, como já se admite, que estas sejam as últimas legislativas de Costa, é improvável que alguém pense herdar-lhe o lugar avançando pela “direita”. Pedro Nuno Santos deu o mote em 2011: “estou a marimbar-me que nos chamem irresponsáveis”.
Dir-me-ão: e depois? Costa, os seus sucessores e os seus parceiros continuarão constrangidos pela dependência financeira do BCE. Não poderão aumentar o défice nem se atreverão a tirar-nos do euro. Pois não. Mas isso não quer dizer que não tenham nada com que passar o tempo. A geringonça não se fez por causa das “reposições”, nem dos serviços públicos. A geringonça fez-se para manter e reforçar o poder dos seus parceiros no Estado, e do Estado na sociedade, e, por isso, para impedir quaisquer “reformas estruturais” que pusessem em causa esse poder.
É o que os parceiros da maioria têm feito e que têm razão para continuar a fazer. Sobretudo se finalmente ganharem umas eleições, como não ganharam em 2015, e a sua maioria for graduada em “maioria de revisão constitucional” (isto é, dois terços da Assembleia da República). Talvez não restaurem o Conselho da Revolução, mas a dimensão de uma vitória dessas será, só por si, pressão suficiente para irem mais longe, quer na colonização do Estado pelos seus agentes e ideologias, quer na colonização da sociedade pelo Estado. É por exemplo possível que uma geringonça reforçada aproveite eventuais substituições de juízes no Tribunal Constitucional para, como Trump está a fazer nos EUA, garantir que, perdida um dia a maioria parlamentar, continuará a dispor de uma maioria togada para bloquear reformas. Teremos então geringonça por muitos mais anos.
Não esperem portanto o fim da geringonça simplesmente pela alteração dos equilíbrios entre os seus sócios. Só há uma maneira de acabar com a geringonça: substituí-la por uma maioria reformista. Mas eis o que nenhum partido à direita percebeu ou fez algo para que acontecesse. Rui Rio insiste nos acordos com o PS — para fazer “reformas”, segundo diz, como se a razão de ser do PS não fosse impedir reformas. Os demais partidos, velhos e novos, têm-se dedicado a perfilhar as causas do BE com o respectivo folclore, sem lhes ocorrer que, para isso, já há o BE. Tendo assim entregue o país à geringonça, não se admirem se a geringonça for tentada a abusar.