A 12 de março, em Lisboa, nas instalações do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) foi torturado até à morte um cidadão ucraniano de nome Ihor Homenyuk.

Segundo os jornais vêm a divulgar posteriormente, citando, entre outras fontes, a acusação aos inspetores do SEF, estiveram sentados em cima dele, esmagando-lhe o tórax contra o solo. Depois de Ihor ter sofrido um ataque epilético, caiu e partiu os dentes. Tinha sinais de pancada e morreu depois de horas de agonia, atado com fita cola e preso com algemas.

Segundo relata a jornalista Joana Gorjão Henriques  (Público 10 de Maio): «O cidadão ucraniano que morreu no SEF do aeroporto esteve 15 horas manietado com fita-cola e algemas. Foi visto assim por enfermeiros, inspetores, chefes. Ficou numa sala preso, durante horas, com as calças pelos joelhos e cheiro a urina. O médico que passou o óbito não viu agressões e deu-a como morte natural. Auto de óbito do SEF também não refere qualquer lesão.»

No Observador de 1 de Abril, Sónia Simões e Kimmy Simões escrevem sobre as provas recolhidas pela PJ: «Ucraniano esteve fechado numa sala, após ter sido brutalmente agredido por três inspetores do SEF, durante 8 horas, segundo as provas recolhidas pela PJ. E foi encontrado já morto.» Continuam: «O corpo de Ihor Homenyuk, o ucraniano assassinado no aeroporto de Lisboa, apresentava tantos hematomas e tantos sinais de ter sido barbaramente espancado que quase não seria necessária uma autópsia para perceber qual tinha sido a causa da sua morte.»

Muitas questões se levantam se um cidadão que entra em Portugal com um visto de turista é torturado até à morte numa sala do aeroporto de Lisboa. Torturado, segundo a acusação, espancado e com alguém o esmagando, sentando-se, repito, sentando-se em cima do seu tórax até o esmagar. Tudo segundo a acusação ou a PJ.

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No seguimento das notícias de alguns jornais, o ministro da Administração Interna foi chamado ao Parlamento e manifestou justas palavras de vergonha pelo sucedido. Os três inspetores foram detidos e seguiram para casa, em razão do covid-19. Sabe-se também que o diretor do SEF no aeroporto foi substituído.

Reconheçamos que é muito pouco.

Assassinar barbaramente, por tortura, no aeroporto de Lisboa, um cidadão ucraniano, refugiado ou emigrante ilegal, é um sobressalto em qualquer Estado de direito. No entanto, não tenho notícia de nenhum sobressalto cívico em Portugal. Nada. Nenhuma manifestação no aeroporto, nenhuma homenagem, nenhum memorial, nenhum voto (que eu saiba) no Parlamento, nenhuma palavra do Presidente da República, nenhuma palavra do primeiro-ministro. Que tristeza.

E das organizações de direitos humanos? Onde estão as ONG’s, a Amnistia Internacional e o SOS Racismo? Que fizeram os Médicos do Mundo, que têm intervenção no aeroporto de Lisboa? E a Ordem dos Médicos? Será verdade que um médico assinou uma declaração em que consta «morte natural»? Fez-se-lhe um inquérito? E o SEF é tutelado por quem? Os inspetores, que estavam em casa, continuam lá? E todos os funcionários e inspetores zelosos que passaram por lá foram acusados? E o sofrimento e medo das pessoas que estavam nas instalações, emigrantes com filhos, foram ouvidos os seus testemunhos? Havia, dizem, crianças por lá. Alguém afagou o seu medo e lhes deu colo?

Muito mais perguntas poderiam ser feitas e devem ser feitas para que seja feita justiça.

O polícia que nos Estados Unidos asfixiou um cidadão é uma imagem tão brutal que sempre que as nossas televisões o mostram não consigo ver nem imaginar o sofrimento de uma morte assim. Mas quando li e comecei a acompanhar as notícias da tortura até à morte de Ihor também não consegui imaginar o sofrimento deste ucraniano, que chegou a Portugal à procura de uma vida melhor.

Mas, excluindo a preocupação de um punhado de jornalistas (homenagem lhes seja feita), a sua morte passou – quase – em silêncio.

Ao tentar perceber as razões, só encontro uma: que interesse pode ter a morte de um ucraniano? Os ucranianos são sempre números. Morreram milhões de fome no Holodomor ou «Holocausto Ucraniano». Estaline matou milhões, cinco milhões, durante os anos de 1932 e 1933. Estão habituados

Mortos pelos comunistas soviéticos, entre 1932 e 1933, não existem, não contam. São números. Aliás, as vítimas do comunismo não são iguais às vítimas do nazismo. São apagadas da História.

Que importância tem para o mundo um ucraniano torturado e morto no aeroporto de Lisboa? E que, segundo a acusação, alguém se tenha sentado em cima do seu tórax e que tenha ficado em agonia horas, sem ser levado ao hospital? Algum deputado europeu se preocupou com isso e interrogou o governo português? Algum deputado português levou um voto ao Parlamento?

Importantes são as vítimas que possam ser usadas para fins políticos, que interessem a agendas da esquerda. Os outros apagam-se.

Chama-se a isto relativismo.

Mas o mundo só será melhor se uma vítima na América for igual a uma vítima em Portugal, independentemente de ser preto, branco ou amarelo. Morra em Hong Kong, em Minneapolis ou no aeroporto de Lisboa.