Outro dia, reparava junto com minha sócia que, num grande escritório de advocacia paulistano, todas as sócias eram mulheres extremamente bonitas. Não eram apenas elegantes, eram mulheres bonitas, adequadas ao padrão de magreza, com maquiagens bem feitas e roupas muito bem escolhidas. Mas o nosso pensamento (felizmente) não estava num mero lugar de análise e julgamento, estava num lugar de crítica.

Nossa área de atuação na advocacia é a da inclusão e diversidade no trabalho. Por isso, olhar já está inevitavelmente treinado para observar cada empresa pelas perspectivas de gênero, de raça, de diversidade de orientação sexual, de diversidade de aptidões físicas, dentre muitos outros enfoques da inclusão. Percebe-se facilmente quando uma empresa opera com verdadeiros paradigmas de diversidade e quando elas o fazem simplesmente por razões legais ou de imagem.

Todavia, nunca havíamos parado para pensar de forma tão clara e escancarada na indissociabilidade entre correspondência a padrões de beleza e possibilidades de ascensão na carreira – pelo menos no direito (ou em outras grandes e concorridas empresas) e numa capital como São Paulo (ou em outras metrópoles com grande concorrência profissional e valiosas cifras monetárias circulando).

Não se trata, de forma alguma, de dizer que essas mulheres só chegaram onde chegaram por serem tidas como bonitas. Conhecemos seus trabalhos e currículos: todas são verdadeiramente competentes, dedicadas e inteligentes. A questão que se coloca é a seguinte: se elas tivessem exatamente a mesma performance profissional mas não tivessem a mesma imagem, a história de sucesso seria a mesma?

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Ficou evidente para nós que não. Não se trata de mera coincidência ou algo do tipo “curiosamente, nessas algumas dezenas de sócias mulheres, todas são bonitas por acaso”. Precisamos pensar no fato de que ainda são homens, em sua esmagadora maioria, os responsáveis pela escolha de mulheres que serão promovidas a sócias ou não. E não é difícil imaginar que, num universo de mulheres competentes, eles optem por priorizar as mais bonitas para serem suas pares.

Quando falamos em emancipação feminina, em diversidade de gênero no ambiente de trabalho e na efetiva inclusão das mulheres em ambientes de poder, precisamos nos perguntar que inclusão é essa e que mulheres são essas. Porque a realidade é que sabemos que força de vontade, determinação e trabalho duro não são suficientes quando se é mulher. Existe um crivo que vai além das nossas competências, existe um filtro oculto porém visível se quisermos enxerga-lo.

As sócias não são todas bonitas (e questionemos também esse conceito estrito de beleza) por uma coincidência. Elas também não chegaram a sócias exclusivamente pela beleza. Elas tiveram que somar características profissionais de excelência com características físicas socialmente celebradas – enquanto para homens, de um modo geral, as boas características profissionais são mais do que suficientes.

Não se pode falar em inclusão e diversidade enquanto homens e mulheres forem avaliados de formas tão díspares. Não é possível acreditar na verdadeira emancipação feminina se o olhar de quem as promove (e, por vezes, até o olhar viciado delas mesmas), estiver voltado para qualidades que em nada se relacionam com o cargo que desempenham.