O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida divulgou, recentemente, um parecer em que afirma que há áreas em que os pais não têm de ser informados sobre os problemas de saúde dos filhos. Entre elas, por exemplo, estará a saúde sexual dos seus filhos menores.

Num país respeitoso para com os direitos das pessoas, é um privilégio elegerem-se temas para debate. E que daí resultem recomendações públicas e contraditório. Para mais, quando tudo isso se dá em redor da adolescência. Trazendo-se para o espaço público questões preciosas, transversais a inúmeros pais. Todavia, sem retirar uma parcela que seja à generosidade deste parecer, talvez seja razoável colocarem-se algumas questões em relação ao documento emitido pelo CNECV.

Parece-me simplesmente sensato e equilibrado que se considerem os cidadãos menores como crianças. Diante das quais os pais, pela seriedade da sua função e pelo seu compromisso para com ela, respondam por aquilo que se entenda ser compaginável com a salvaguarda dos seus direitos e necessidades.

Receio, todavia, que vivamos um período de alguma indefinição a nível do respeito pela autonomia das crianças. Veja-se o que se passa a propósito dos processos de regulação parental, quando se entende que a protecção dos direitos das crianças deve passar pela sua auscultação por um magistrado, como se os seus pais não fossem competentes o suficiente para responderem pelos interesses dos filhos, independentemente de nunca terem dado um sinal de os terem exposto a quaisquer perigos. Ouvir, “obrigatoriamente” as crianças em tribunal não corresponde, por inerência, a um mais atento respeito pelos seus direitos. Em muitíssimas circunstâncias, pelo contrário! Até porque a autoridade dos pais não representa um exercício arbitrário e discricionário. É um gesto de sabedoria, de protecção, de bondade e de justiça. E não há como confundi-la com autoritarismo.

Do mesmo modo, permitir que os adolescentes acedam a actos clínicos sem o conhecimento dos pais corre o risco de ser um bocadinho absurdo. É partir do pressuposto que os adolescentes são, para efeitos de educação, de saúde, de justiça ou de religião, menores. Mas no que respeita a alguns actos clínicos, como aqueles que se relacionam com a sua saúde sexual, serão “maiores”. Escutar crianças, obrigatoriamente, em tribunal, e permitir aos adolescentes autonomia em relação a alguns actos clínicos que lhes sejam dedicados não representa senão uma atitude escorregadia que corre o risco de contrariar os direitos das crianças que se pretenda proteger.

É verdade que, para todos os pais, a sexualidade dos filhos é uma primeira experiência de alguma perplexidade. Porque passa pelo reconhecimento de que os filhos, por mais que ainda sejam crianças de 13, 14 ou 15 anos deixaram de ser pequeninos. No entanto, respeitar os direitos dos filhos não implica que se ignore a emergência da sua sexualidade. Ou que se seja contra ela. Da mesma forma, será muito pouco sensato que os pais perspectivem temas como a educação para a sexualidade como da exclusiva responsabilidade da família. Por mais que os pais tenham toda a legitimidade para sufragar a forma como ela se dá. Todavia, será quase ridículo que os pais tenham direito a questionar certos aspectos da educação para a sexualidade que uma escola promova mas que lhes seja vedada a informação acerca da saúde sexual dos seus filhos. Não se trata de estarem, minuciosamente, informados acerca de um conjunto de pormenores como se os filhos tivessem a obrigação de nunca lhes esconder nada. Mas de terem o cuidado de complementar a acção das consultas sobre saúde sexual da forma como o seu bom senso melhor recomende.

É por isso que os pais, com filhas adolescentes, por exemplo, entendem, a par daquilo com que as educam, encontrar no auxílio de um pediatra, de um médico de família ou de um ginecologista, por exemplo, os argumentos que mais os deixem seguros para as proteger. Começando por escolher um clínico e confiar-lhe a sua filha. Que é um critério que é da exclusiva responsabilidade dos pais. Mas se é, reconhecidamente, aceitável que, numa dada avaliação, possam existir temas acerca dos quais esse clínico entenda conversar, com privacidade, com um adolescente (assim ele seja autorizado para o efeito pelos pais) é legítimo que, após essa conversa, os pais sejam informados em relação acerca de questões que esse clínico entenda razoáveis. Para que eles se sintam seguros e esclarecidos acerca da vida de uma filha, por exemplo. Por mais que isso não interfira com a privacidade a que ela tem direito. Até porque não se trata nem dos pais serem coscuvilheiros em relação a todos os aspectos que se relacionam com a vida sexual dos filhos. Mas que se presuma que – havendo, manifestamente, circunstâncias de risco que o justifiquem – um clínico transmita a essa adolescente que não haverá forma de não trazer os pais para as decisões que sobretudo eles, quando os filhos são menores, deverão tomar. Não representando isso a violação do compromisso ético de um dado clínico para com “aquela” adolescente e “aquela” família. Até porque terem curiosidade em relação àquilo que entendam ser aspectos essenciais para o desenvolvimento duma filha não é invasivo. É prudente. Sobretudo quando, em consciência, alguns desses comportamentos podem comportar, potencialmente, riscos.

Ao contrário do que se possa supor, os pais não se sentem com o direito de aceder a todos os aspectos que se relacionam com a vida privada dos filhos. Aliás, os pais respeitam-na, transversalmente, com lealdade e com delicadeza. Acresce que a generalidade dos pais se socorre de clínicos da sua confiança para que os índices de segurança da saúde (e de saúde sexual, em particular) dos seus filhos não deixem de se dar. Cabe, depois, aos clínicos criar as condições para que a confiança que uma adolescente deposite em si não saia comprometida sempre que ajuda os pais na sua missão de pais. Por mais que haja casos-limite, em que, por exemplo, diante de pais que obstaculizem o exercício clínico, será necessário recorrer a uma comissão de ética ou, no extremo, a um curador de menores para que a protecção de uma adolescente prevaleça sobre a vontade dos pais. Com todas as ilações que, depois disso, se tenham de retirar para o exercício da sua guarda.

Se à saúde sexual acrescentarmos comportamentos aditivos e avaliações psicológicas como excepções ao direito dos pais serem informados acerca da saúde dos filhos, receio que ao deixarmos que prevaleça a ideia que os pais devam ser colocados à margem de alguns actos clínicos relativos à saúde dos filhos subsistam muitos mal-entendidos. Porque se é verdade que poderá existir uma franja de pais que façam mau uso daquilo que essa informação lhes traga, todos os outros estarão, mais que ninguém, empenhadíssimos em trazerem dos actos clínicos todo o auxílio com que vejam os seus filhos mais protegidos e a crescer melhor.

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