Tendo em conta que nos regimes comunistas a tradição de controlo e de perseguição dos cidadãos constituía uma autentica paranoia, não me surpreende a informação divulgada pelo Instituto da Memória Nacional polaco (IPN) de que o líder histórico do sindicato Solidariedade Lech Walesa foi um informador da polícia secreta do regime comunista nos anos 1970.

Lukasz Kaminski, director daquela instituição encarregada da investigação dos crimes cometidos durante o período de ocupação nazi e do regime comunista, disse que num arquivo da polícia secreta comunista “existe um acordo de colaboração assinado por Lech Walesa (com o nome de código) ‘Bolek'”.

“Entre os documentos do arquivo, existem ainda recibos de dinheiro recebido assinados com o nome de código ‘Bolek'”, adiantou à imprensa Kaminski.

O ex-presidente Walesa já veio desmentir essa informação, mas esta não é a primeira vez que o acusam desse acto. Em 2008, dois historiadores do mesmo instituto publicaram documentos que alegadamente provavam o mesmo, mas o Tribunal de Lustração (Purificação) não lhes deu razão.

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Isto vem atiçar novamente a discussão sobre as dimensões das redes de informadores existentes nas “sociedades socialistas” e a sua utilização na luta política ainda hoje, 25 anos após a queda do Muro de Berlim. Em relação à Polónia, isto sucede com alguma frequência. Por exemplo, um dos grandes nomes do jornalismo mundial, Ryszard Kapuscinski, também não se livrou das acusações de ter trabalhado não só para os serviços secretos polacos, mas também para os soviéticos.

Kapuscinki talvez não tivesse possibilidade de viajar tanto e de encontrar as pessoas com quem se encontrou se não aceitasse escrever, paralelamente aos seus artigos, relatórios para os serviços secretos.

Na URSS, era prática corrente que professores, cientistas e artistas que viajassem ao estrangeiro, tivessem, no fim da viagem de apresentar um relatório ao KGB com quem se encontrou, o que viu, etc. Essa era uma condição essencial para que os soviéticos pudessem abandonar temporariamente o seu país.

O tema da cooperação entre os cidadãos e os serviços secretos é um tema extremamente sensível. Na Rússia, por exemplo, esse problema praticamente não existiu porque os arquivos do KGB sempre estiveram fechados a sete chaves e é muito difícil provar acusações de cooperação com a polícia política soviética, mesmo hoje, quando ex- e actuais agentes dominam o aparelho de Estado e esse tipo de acções pode ser até alvo de elogio.

Claro que houve fugas significativas de informação, como os casos do “Arquivo Mitrokhin” ou as revelações do general do KGB Oleg Kaluguin, mas elas diziam mais respeito a operações externas dos serviços secretos, como foi o caso do desvio de parte dos arquivos da polícia política portuguesa PIDE por agentes soviéticos com a colaboração do Partido Comunista Português.

No plano interno, alguns daqueles que foram vítimas das repressões estalinistas ou seus descendentes podem ter, em alguns casos, acesso a processos antigos, mas são muitos os que se arrependem quando os consultam pois descobrem que os “bufos” eram os vizinhos simpáticos, os melhores amigos ou até parentes próximos.

Ao contrário da Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial, onde teve lugar uma forte campanha de “desnazificação” do aparelho de Estado e do país em geral, na União Soviética isso não foi feito devido ao receio de uma campanha dessas poder vir a ter consequências catastróficas. Apenas se tornou acessível ao público uma ínfima parte do arquivo do Partido Comunista da União Soviética (e isto porque alguns comunistas soviéticos contestaram no Tribunal Constitucional a decisão do Presidente Ieltsin de ter proibido o Partido Comunista e as autoridades russas terem de recorrer aos arquivos para provar o carácter criminoso dessa organização) e praticamente nada dos arquivos do KGB no que respeita ao período pós-estalinista.

Mas, voltando ao caso da Polónia, a procura da verdade histórica parece não ser a única motivação dos “caçadores” de nazis, comunistas e bufos, podendo eles terem também objectivos políticos: denegrir este ou aquele adversário político. Se assim for, trata-se de um jogo arriscado, pois Walesa parece não ser daqueles políticos que desistam de se defender.