Para início de conversa vou já avisando: não contem comigo para ladainhas. Eh pá, tenham paciência, mas ladainhas não são para mim. Uma resenha, enfim, talvez. Um elencar ainda vá que não vá. Agora, ladainhas esqueçam. Não me venham com aquelas histórias de que “Portugal não tem remédio”, ou que “Este país não vai a lado nenhum”, porque eu não alinho nessas lengalengas. Ou melhor, não alinhava. Até anteontem não alinhava. Dá-se o caso de, na segunda-feira, sem qualquer espécie de pré-aviso e durante uma performance em directo na televisão, Marco Paulo ter falhado, de modo absolutamente inédito, o seu movimento de marca de lançar o microfone com uma mão agarrando-o com a outra.
É verdade. Pela primeira vez nos quase 880 anos de História desta nação, e nos quase 879 anos e 6 meses de carreira de Marco Paulo, o artista não conseguiu concretizar aquele seu gesto técnico clássico, espécie de auto-alley-oop do nacional-cançonetismo, em que uma mão projecta o microfone para o ar, em jeito de assistência, e a outra mão apanha-o em pleno voo e concretiza, com estrondo, mais um orelhudo refrão. Para desespero daqueles de cujas cabeças jamais sairá o poema em que o intérprete garante que “não, namoros não tem, perde o tempo a estudar/Tantos lhe querem bem, tem mais em que pensar/Quando vai dançar, a gente tem de olhar/Anita (Anita)”.
Aqui chegados, resta-me constatar que, em Portugal, tudo é possível. Mas atenção, quando digo tudo é mesmo tudo. É até possível ser mera coincidência o facto de a ex-administradora da TAP, Alexandra Reis, ter saído da empresa com uma indemnização de 500.000€ apesar de a companhia garantir que saiu voluntariamente para, meses depois, se tornar secretária de Estado do Tesouro sob a alçada de Fernando Medina, esposo daquela que à data da saída de Alexandra Reis era a directora jurídica da transportadora aérea, Stéphanie Silva. Que, por mero acaso lá está, vai-se a ver e é amiga de Alexandra Reis. Estou convicto que até o Stevie Wonder, vendado, enquanto jogava ao quarto escuro durante um apagão, conseguia ver esta moscabilh… esta coincidência. Conseguia ver esta coincidência, assim é que é.
Qual é o problema. O problema é aquele, há muito diagnosticado, de Portugal ser um país pequeno. Logo, toda a gente se conhece. E estão, como é óbvio, reunidas as condições perfeitas para este tipo de trafulhices. Basta ver o flagelo de corrupção que também varre outras paragens parcamente povoadas, como uma Dinamarca, uma Nova Zelândia, ou uma Singapura. Aliás, sabemos como varre porque boa parte dos técnicos de higienização encarregues de varrer nesses países são nossos compatriotas. Eles próprios, em grande medida, varridos de Portugal por políticas que nos tornam um gigantesco fracasso, ao nível de colossos como um Burundi, um Equador, ou um Sudão do Sul.
Perante isto, e numa visita a Murça, o Presidente da República foi peremptório ao garantir ser preciso “esclarecer todo” o acordo entre a TAP e Alexandra Reis. Marcelo foi quase tão peremptório como o cidadão que o abordou, frente às câmaras de televisão, afirmando categoricamente que “o senhor fala muito bem, é muito educado, mas não faz nada. Cinco anos depois de Pedrógão não limparam a floresta. Não fizeram nada.” O Presidente ficou claramente abalado. Afinal, Marcelo não está nada acostumado a escutar a versão republicana d’O Rei Vai Nu. Para mais numa daquelas raras ocasiões em que o Presidente estava mesmo vestido. Se bem que, por certo, já a sonhar com o imorredoiro tema de Marco Paulo segundo o qual “sempre que brilha o sol naquela praia/Contem ver o Marcelo de sunga ao pôr-do-sol.”
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