O Estado é o PS. Esta fusão é o ponto forte dos socialistas (o socialismo pressupõe o domínio do Estado), mas também o seu calcanhar de Aquiles. As incontáveis demissões no Governo são um sinal da incapacidade de António Costa recrutar socialistas que não tenham interesses directos no Estado. É curioso como o PS conseguiu, praticamente 50 anos após o 25 de Abril, o que a União Nacional praticou durante quase meio século. Como também é indispensável que se perceba que, se pode existir uma esquerda liberal que quer um Estado domado e não dominado, a esquerda a que temos direito reduz-se à socialista. Da mesma forma também é importante compreender que há uma direita que deseja mais Estado e que se opõe a outra que quer um Estado que sirva cidadãos sem que se sirva deles.

A esquerda socialista e a direita estatista tocam-se num ponto crucial: as duas defendem um Estado mais interventivo, mais presente, mais activo, mais despesista que, ou cobra mais impostos ou endivida as gerações futuras. Desde que chegou ao governo, em 1995, que o PS controla o aparelho público, o engrandece e povoa com os seus. O resultado é uma economia estagnada, um país parado e endividado. Ora, o projecto do Chega não é diferente.

Veja-se a posição deste partido relativamente à TAP. Ventura opõe-se à privatização da companhia aérea porque defende que a TAP deve “ser mantida na esfera pública, devido às rotas fundamentais que tinha e ao interesse estratégico que tem para a economia portuguesa”.  O conceito de ‘interesse estratégico’ (a que o PS chama de ‘interesse nacional’) é curioso porque revela o quanto a visão de André Ventura não diverge da do PS: um país onde o Estado continua a pôr e dispor, em que o poder político define as prioridades de investimento, até mesmo dos privados. Privados que continuariam a depender das autoridades, seja para obterem a documentação necessária, seja para acederem ao capital indispensável. Até porque com o Chega o aumento do Estado não se reduziria às empresas. Como referiu Alexandre Homem Cristo aqui no Observador, André Ventura chegou a sugerir que o Estado pague 125 euros todos os meses aos portugueses elegíveis para esse efeito. Avançou ainda que deixe de tributar os subsídios de férias e de Natal. Só neste parágrafo menciono três exemplos ilustrativos de como André Ventura está na política apenas com o fito de que o poder passe do PS para o Chega.

E isto é pouco, ou melhor, é mais do mesmo. Não é solução, mas a continuidade de um erro ininterrupto e contínuo de povoamento do Estado com pessoas de confiança. Caso André Ventura afaste o PS da governação, daqui a 30 anos Portugal continuará a sofrer com um Estado pesado, ineficiente, uma carga fiscal avassaladora, empresas e cidadãos descapitalizados e dependentes do poder político que distribui fundos de Bruxelas para garantir o voto. Um país de serviços públicos que exporta cidadãos.

Além do lado mais foclórico do Chega, estas são as razões fundamentais para que a IL não se coligue com aquele partido. É tão impossível um acordo da Iniciativa Liberal com o Chega como é entre a IL e o PS. E a razão é simples: tanto o Chega como o PS defendem mais Estado. Basta assistirmos às discussões acesas entre ambos. Chega e PS não debatem diferentes visões para Portugal. Não discutem um país, mas lugares. O primeiro pretende apenas o posto do segundo. O PS sabe que é mais difícil reformar o Estado que ser trocado por outro partido. Daí empola André Ventura por ser alguém que joga o jogo com as mesmas regras, vê o país da mesma maneira, encara o exercício do poder público da mesma forma. Alguém que tão só pretende trocar as pessoas, mas manter o resto igual.

Há quem considere que a direita vai precisar do Chega para governar. Sucede que o problema não se reduz a uma mera solução aritmética. É mais fundo e reside em saber qual a vantagem, a mais-valia que o Chega traria para um governo. E essa seria nenhuma, pois o Chega é o PS com outras cores. Um estatismo de direita, mas na mesma estatista, igualmente despesista, na mesma ineficiente, na mesma uma perda de tempo e de oportunidade. Precisamente o que vimos e suportámos desde 1995. Algo que não nos podemos dar ao luxo de repetir. Algo que, como qualquer português que acredita que o país ainda é capaz de aspirar a uma dignidade perdida, não devemos aceitar. Neste ponto a ambição da Iniciativa Liberal é semelhante à do PPD, nos anos 70: não à apropriação do Estado, mas à sua reforma com vista a um país aberto, uma democracia europeia e uma economia dinâmica de cidadãos livres. Esse objectivo não se consegue com cedências, mas firmeza e clareza de propósitos. Trata-se de um projecto que se perdeu algures no tempo, mas que não significa que tenha ficado esquecido.

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