Há muito que o Partido Comunista Português se encontra a viver noutro mundo, diria mesmo noutra dimensão, sendo a sua direcção constituída por peritos em transformar pesadas derrotas em “grandes vitórias” e em caluniar, da formal mais ignóbil e vil, antigos dirigentes, como no caso de Carlos Brito e de outros.

Para os comunistas portugueses há apenas quatro tipos de pessoas: os “iluminados”, os “idiotas úteis”, os “fascistas” e os “traidores”.

Os “iluminados” são aqueles que militam no partido, semelhante, cada vez mais, a uma seita: sabem tudo e devem ter fé absoluta na vontade e nos planos dos líderes, mesmo que esses já tenham mostrado repetidas vezes que apenas conduzem a sociedades totalitárias e criminosas.

Os “idiotas úteis” são os que vão na conversa dos comunistas e apoiam estes pelos mais diversos e estranhos motivos: servem para equilibrar o sistema, conseguem arrancar algumas cedências ao poder vigente, são os mais bem organizados, etc.

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Os “fascistas” são todos aqueles que não concordam com o discurso e o programa da seita. O PSD, o CDS, o Chega e a Iniciativa Liberal são claramente fascistas; o PS e o BE, não sendo fascistas, “fazem o jogo da reacção”, ou seja, andam lá perto. No caso dos bloquistas, talvez seja mais preciso o termo de “social-fascistas” (a derrota estrondosa de Marisa Matias nas presidenciais foi uma das maiores alegrias para o PCP e ajudou a explicar a “vitória” de João Ferreira).

(Nesta classificação existe apenas um pouco de verdade: o Chega é um partido de extrema-direita. Mas é de uma cegueira terminal chamar fascistas a todas as pessoas que votaram em Ventura. Claro que, para o PCP, os piores fascistas são aqueles que deixaram de votar comunista para apoiarem o Chega. Coitados dos alentejanos!).

E, finalmente, há os “traidores”, ou seja, aqueles que dirigiram ou foram membros da seita, mas que depois a abandonaram por considerarem que tinham ido parar a um manicómio ou a um grupo especializado em vender “banha da cobra política”. Escusado será dizer que, na tabela do PCP, os traidores são muito piores do que os fascistas.

Tudo isto vem a propósito de duas ideias, eu chamar-lhes-ia, talvez, dois sinais de demência e de disfuncionalidade mental, que o pasquim “Avante”, órgão oficial da seita, demonstra no seu último número de 28 de Janeiro.

O primeiro é um comentário de Correia da Fonseca, crítico de televisão, a propósito de uma entrevista concedida por Carlos Brito ao programa “Primeira Pessoa”. O dito crítico de serviço tentou insultar, enxovalhar e humilhar Carlos Brito, antigo membro da direcção do PCP, ex-dirigente do grupo parlamentar da seita na Assembleia da República, que passou oito anos nas prisões da PIDE.

Os argumentos utilizados são mesmo baixos. Durante a entrevista, falou-se da famosa fuga de Álvaro Cunhal da prisão de Peniche, em 1961, mas Correia da Fonseca considera que a RTP1 não deveria ter conversado sobre isso com Carlos Brito porque ele “não teve nada a ver com a fuga de Peniche e em tempos saiu do Partido por uma porta encimada por um imaginável letreiro a dizer-nos ‘Renovador’”.

Pergunto eu: o facto de ele ter sido um dos mais altos e influentes líderes do partido não lhe permitiria saber sobre a citada fuga muito mais do que um qualquer mortal ou até do que algum académico que se tenha debruçado sobre essa questão? É de frisar que ele foi encarcerado em Peniche após a fuga. Claro que sim, mas Carlos Brito não é uma fonte credível porque é um “traidor”. Pelos vistos, a jornalista Fátima Campos Ferreira deveria ter convidado Arsénio Nunes, o dirigente comunista que apela ao derrube do regime constitucional português pela força, ou Rita Rato, a actual directora do Museu do Aljube, que desconhece a existência de campos de concentração na União Soviética.

Mas o crítico de serviço vai ainda mais longe nas acusações, ao ponto de insinuar que Carlos Brito é um traidor vendido: “Mas ganhou agora esta entrevista na RTP. Uma língua pérfida diria que Roma já paga, embora pouco, a quem há uns oito séculos atrás não pagava.”

Isto é tanto mais ignóbil quando vem da boca de um escriba que trabalha num pasquim financiado durante muitos anos pela União Soviética e “por outros países socialistas”, de um membro da seita que muito viveu à custa dos muitos milhões de dólares americanos (o mais sujo símbolo do imperialismo, pois o rublo soviético, além de comprometer a “virgindade” dos camaradas, apenas poderia servir como papel de parede no Ocidente) que recebia dos comunistas soviéticos e afins!

Hoje, talvez os dólares venham de outras paragens, pois a reabilitação do maoísmo por parte do PCP, ou o silêncio face às violações grosseiras dos direitos humanos em Hong-Kong e em Xinjiang, onde muitos milhares de uigures vivem em campos de concentração, merecem ser recompensados.

A segunda razão que me leva a escrever este comentário já não é novidade: o “Avante” publica vários textos de equilibrismo estatístico-matemático para provar que os resultados eleitorais do candidato comunista João Ferreira não foram uma derrota, mas mais um êxito do PCP. Como explicar, então, a declaração de Jerónimo de Sousa após o fecho das urnas: “O João merecia mais!”? Mais êxitos semelhantes?

No comentário asqueroso de Correia da Fonseca, este escreve: “Aliás, como bem sabe quem o queira saber, formular votos para que o PCP se ‘renove’ é uma espécie de destino dos inimigos do PCP: que ele, o Partido, se renove incessantemente até à sua autodestruição final.”

Segundo esta lógica, eu deixei de estar entre os “inimigos” do PCP porque não apelo à sua renovação, mas apenas desejo que definhe de forma natural até à “vitória final”. Certamente que estou na lista de fascistas do PCP, mas isso não me incomoda o sono.

P.S.: A Rússia prepara-se para ser palco de manifestações pela libertação do opositor Alexey Navalny no fim-de-semana. As manifestações estão marcadas para dezenas de cidades do país. A polícia já começou a fazer numerosas detenções entre os organizadores dessas iniciativas. No Parlamento Europeu, o PCP votou contra a resolução que exige a libertação de Navalny. A troco de quê?