O comportamento do governo português e dos países mediterrânicos, sob a batuta da instável coligação governamental italiana, é eticamente insustentável. Se é certo que a pandemia acabou por provocar, devido à falta de melhores estratégias de combate sanitário, uma ruptura económica universal, não há qualquer fundamento para socorrer em especial os mesmos países que já recorreram à dívida pública durante a recessão de 2008. Não é à toa que estes países se encontram, mais de dez anos após a recessão, entre os maiores devedores do mundo quando há continentes inteiros, como África e a América Latina, bem mais flagelados pela pandemia!
Se a União Europeia é tão rica como pretende, que empreste a baixo juro um quantitativo proporcional à população de cada país membro a fim de ajudar a atravessar o fosso económico que aí vem. Com efeito, um país como Portugal já perdeu o dobro do que perdera entre 2011-2014 e ainda tem às costas uma dívida pública superior ao PIB. Pior que nós, só a Grécia e a Itália. A estranha iniciativa da Alemanha e da França proporem a todos os países da União uma generosa dádiva de triliões de euros a fundo perdido e mais um tanto a baixo custo que os países mais ricos teriam de pagar no lugar dos endividados.
O que aconteceu é que uma série de países achou que era altura de os habituais beneficiários das ajudas da UE promoverem as reformas a que nos comprometemos e não só nunca cumprimos como temos deixado agravar-se. É esse o caso de Portugal, que desde o primeiro ao último dia de adesão já terá recebido milhares de milhões a fundo perdido, sem melhorar a situação económica em comparação com os outros países. Quanto mais não fosse devido ao acentuado envelhecimento da população, nenhum governo português se atreveu a rever o regime de reformas nem do sistema de saúde, que hoje pesam perto de metade do gasto público, juntamente com todas as onerosas formas clientelares de angariar apoio eleitoral, donde os défices acumulados ano após ano durante 35 anos seguidos a financiar os círculos partidários!
É apenas isso que os chamados países «frugais» exigem aos devedores: reformas a sério e nunca cumpridas em troca dos apoios financeiros. No caso de Portugal, todos sabemos por que razão o primeiro-ministro não quer pagar o empréstimo. Mais importante do que isso, é perceber por que motivo Costa não quer comprometer-se com as reformas que nos possam ser exigidas, como aconteceu marginalmente durante a intervenção da «troika» e foram rapidamente anuladas após a chegada da «geringonça» ao poder, nomeadamente a nacionalização das empresas falidas, como a TAP, a EFACEC e outras que voltaram a ser pagas pelos contribuintes, obrigando assim à pressão fiscal que se sabe!
Essa é uma das razões mas há outra mais importante e que se mantém escondida, tanto em Itália e Espanha como, sobretudo, em Portugal. Com efeito, por razões partidárias que continuam a amarrar o PS ao PCP e ao Bloco de Esquerda – basta ouvir os «berros» do candidato principal à sucessão de líder do PS, o actual ministro da TAP e das nacionalizações – a fim de Costa se manter no poder no meio desta tempestade sanitária e económica. Como bom socialista na linha de Sócrates, Costa jura desde o primeiro dia que jamais a «austeridade» regressará a Portugal. Desdizer-se seria pior do que tudo o que já fez de modo a sacudir as responsabilidades que tem quanto à forma como a pandemia tem sido gerida. Se à contaminação viral e aos óbitos dos anciãos se juntasse agora a «austeridade» que nem as dádivas da UE farão desaparecer, seria o fim político de António Costa.
A democracia eleitoral em que temos vivido e da qual milhões de cidadãos se abstêm acabou por desbaratar, de propaganda em mentiras e de votos arrebanhados em promessas impossíveis, ambos os partidos conservadores (PSD e CDS) em benefício de um clã estatista e cada vez mais autoritário em torno da maioria parlamentar assegurada pelo PS, o BE e o PCP. Frente a estes, há um semi-deserto de hipóteses inconciliáveis das quais o populismo do «Chega» parece ser o único capaz de crescer a curto-prazo sem «chances», porém, de poder efectivo, embora capaz de envenenar de vez o debate político, que é aliás aquilo que a «aliança costista» hoje mais deseja.
É por conta de tudo isto que a cimeira de Bruxelas se prolonga há três dias sem alcançar um acordo. É de recear que os «frugais» acabem por se contentar com uma redução significativa do «pacote» e com o aumento dos juros mas deixem cair mais uma vez a obrigação de os incumpridores fazerem as reformas de que precisamos. Amanhã se verá…