Começo este artigo lamentando ter de o escrever neste momento. Com tantas coisas graves a acontecerem no nosso país, este circo que foi montado no CDS só serve para o descredibilizar ainda mais, por mostrar que alguns dos seus quadros mais valiosos têm, afinal, muito pouca sensibilidade às prioridades do País… e às do próprio CDS. Quanto a mim, lamento que este triste episódio venha reforçar a posição de propostas rupturistas, que criticam a podridão do “sistema” e lançam atoardas aos políticos em geral.

O CDS, reconhecidamente, não está bem. Mas, mais útil do que apontar o óbvio poderá ser perguntar o que o trouxe até aqui. O que terá acontecido para um partido que durante quarenta anos valeu consistentemente cerca de 10% do eleitorado em legislativas, de repente, passar a valer 2%, 3%, ou 4%?

Naturalmente, tendo esta erosão da base eleitoral ocorrido durante a liderança inicialmente tão promissora de Assunção Cristas, a tendência natural seria responsabilizá-la pelos resultados do partido. Ela própria o fez no momento em que se demitiu. Mas o CDS não é, nunca foi, um partido de um homem só. Tem quadros valiosos, gente que deu muito pelo nosso País, servindo em Governos, no Parlamento, em Câmaras Municipais e, obviamente, no sector privado. Além disso, Assunção Cristas tinha tudo para triunfar: reconhecimento, prestígio, uma enorme inteligência e capacidade de trabalho, o seu percurso académico e político e o carinho dos Portugueses.

Não correu bem. E se Assunção Cristas tem certamente culpa formal sobre o que aconteceu ao partido, houve também uma série de incidentes, posturas e discursos que levaram a que o eleitor deste partido fosse aos poucos deixando de se sentir representado. Desses incidentes, o mais mediático terá sido a triste trapalhada com as “passadeiras arco-íris”, que veio reforçar, de uma forma terrivelmente gráfica, a imagem de um partido a desleixar-se, a deixar cair as suas bandeiras tradicionais, a desertar dos seus eleitores. O caso, dir-se-á, foi isolado. É verdade. Mas gerou tamanho desconforto no eleitorado que a própria Presidente do partido teve de vir demarcar-se e os dois proponentes acabaram por abandonar o partido. Episódios como este tornaram-se ícones de postura pragmática e pouco clara. E os resultados ressentiram-se disso. Prova disso foi o fraquíssimo resultado nas eleições europeias, que devia ter feito soar os alarmes, mas não. Tudo se manteve na mesma.

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Nas legislativas seguintes, assim ao jeito daquelas pessoas que acham que uma ideia não está a resultar porque ainda não insistimos demasiado nela, o CDS apresentou um programa bem intencionado, com algumas ideias interessantes, mas que era também, simbolicamente, o programa mais liberal da história do partido. Foi triste ver Assunção Cristas, em debate com António Costa, na terrível posição de não conseguir criticar o Primeiro-Ministro por quatro anos de governação socialista, porque foi constantemente chamada a explicar e a defender propostas do CDS, que eram incompreensíveis para o eleitor comum.

Como foi possível que, num momento histórico em que se adivinhava a possibilidade de uma folga orçamental, a primeira prioridade do CDS fosse baixar o IRS, um imposto que não é pago pela metade mais pobre da população? Não haveria nenhuma medida mais urgente? Não haveria nada que apelasse mais fundo à consciência social de um partido democrata-cristão? E aquela medida criativa de se poder aceder às universidades sem ter média para tal, pagando? Poderia arranjar-se ideia que reforçasse mais o estereótipo de partido de betos ricos? Parecia haver….

Onde ficaram os pensionistas, os agricultores, os que sofrem pela desertificação do interior, as forças de segurança, a fatia tão larga de população suburbana, com transportes públicos miseráveis, que não pode escolher em que escola andam os filhos, os com salários baixos, ou os desempregados? E que palavra havia para os professores, os pequenos comerciantes, os jovens precários, o eleitorado católico, ou os antigos combatentes? Não eram estes os eleitores do CDS? Fez-se um programa liberal, cheio de medidas práticas e pragmáticas, achou-se que as pessoas votavam com a carteira e ninguém se preocupou em erigir um projecto de País, uma ideia de Portugal, uma visão de bem comum, que favorecesse a dignidade de todas as pessoas, no seio de uma comunidade. Claro que as empresas são importantes, claro que os impostos são demasiado elevados, claro que há demasiado Estado na economia. Mas não eram – nem são – essas as preocupações imediatas das pessoas para quem o partido tinha de comunicar.

Em todo este processo, uma figura esteve sempre presente: Adolfo Mesquita Nunes. Primeiro Vice-Presidente do partido, ideólogo de serviço, foi ele a voz mais influente na condução do CDS durante aqueles anos. Mais: Adolfo foi o coordenador deste programa pragmático e liberal que rendeu 4,2% ao CDS. Ao mesmo tempo decidiu – legitimamente – que era tempo de se dedicar à sua vida profissional, deixando para outros a assunção de responsabilidades pelo desaire das europeias e a tarefa ingrata de defender, nas legislativas, aquele programa.

O resultado foi a catástrofe que já todos conhecemos. A representação parlamentar do CDS desapareceu e foi aberto o espaço para que os partidos à direita do CDS pudessem agarrar causas que, afinal, já não eram as deste partido. Ainda nos lembramos o que Francisco Rodrigues dos Santos andava a fazer nessa altura? Estava na liderança da JP a defender os valores de sempre do CDS. Teve razão antes do tempo, mas o partido achava que eram delírios da juventude e deixou que outros pegassem nas suas bandeiras. Existiria hoje o Chega se o CDS de Adolfo não lhe tivesse escancarado a porta?

Com os resultados das legislativas, Assunção Cristas demite-se e dá-se o curioso fenómeno de toda a gente ter coisas a dizer, mas de ninguém dar o passo em frente. Honra seja feita a João Almeida que, no meio de tantos “presidenciáveis” foi o único com a coragem de se apresentar a votos. Adolfo teve aqui mais uma oportunidade para sir a jogo e o que fez? Dedicou-se, legitimamente, à sua carreira profissional e mesmo para defender João Almeida, só apareceu à última hora. Era esse o seu tempo, assim o tivesse querido. Não quis.

Se tinha fórmulas mágicas para resolver os problemas do CDS, porque não as ofereceu ao partido? E, não querendo ser candidato, mas achando que tinha boas ideias, porque é que não se ofereceu para ajudar a actual direcção? Apareceu, demasiado tarde para ser levado a sério, a dizer que gostaria de ter sido candidato a Presidente da República, mas que não o deixaram. Mas o que se sabia dele não era o desejo de abandonar a política activa? E não seria mais lógico e mais coerente que o CDS apoiasse a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, como Assunção Cristas, com Adolfo Vice-Presidente, já tinha sugerido?

Um partido tem a sua identidade, as suas tradições, os seus estatutos e as suas regras. O partido não pode – nem deve – funcionar ao ritmo das agendas e das disponibilidades dos seus membros, por muito notáveis que sejam. São os seus membros que devem estar presentes quando acreditam ser úteis aos partidos. Adolfo teve o seu tempo, aplicou as suas ideias, e não resultou. O que pode levar a que resulte desta vez?

O número foi triste, os episódios que se seguiram só pioraram e só me faz lembrar o ditado que o Ricardo bem aplicou à situação do partido: “em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.”

Não pode ser assim num partido. Não pode ser assim, principalmente, num dos partidos fundadores da democracia e que tanto deu ao País. A situação do CDS é difícil, é mesmo de perigo existencial. Mas os problemas não são de hoje: têm causas, têm lastro, deixaram feridas e exigirão tempo e arte para serem resolvidos. Por isso, tenho uma profunda desconfiança por quem promete receitas milagrosas, instantâneas, ou de quem se apresenta como messias quando, até ver, estava lá no momento em que os problemas surgiram. Só há um caminho para salvar o CDS: autenticidade, fidelidade à nossa matriz, aos nossos princípios e um trabalho duro, exigente, de recuperação da confiança do nosso eleitorado.