Há racismo em Portugal? Claro que sim. Não creio que nenhuma pessoa sensata negue que existem pessoas racistas em Portugal, pela simples razão de que se trata de um facto empírico.

O racismo deve ser combatido? Certamente, tal como qualquer discriminação injusta entre pessoas. A civilização ocidental a que pertencemos traz consigo os ensinamentos cristãos de que todos os homens são iguais em dignidade e que, mais do que meros indivíduos, devem relacionar-se como verdadeiros irmãos. Cristãos ou não, em Portugal, estas noções fazem parte da nossa consciência colectiva sobre o que é bom ou mau.

Há três aspectos que penso ser relevante ter em conta nesta discussão:

Em primeiro lugar, temos de admitir que o racismo, sendo essencialmente um fenómeno psicológico, é difícil de estudar. No entanto, o que os estudos parecem indicar é que tanto ao nível comportamental, como intelectual, há uma quantidade muito marginal de pessoas que se podem considerar racistas em Portugal. Veja-se, por exemplo, o estudo da insuspeita FRA (Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia) que indica claramente que Portugal é o país europeu onde se observam menos casos de racismo contra negros (e a Finlândia, esse paraíso progressista que sempre serve de exemplo civilizacional, é o que apresenta mais casos). Pode também escutar-se, por exemplo, a experiência prática do Johnson Semedo, que tem feito um trabalho notável na integração de jovens de bairros carenciados ou o conhecimento académico do professor José Pereira Bastos.

Em segundo lugar, apelo à nossa experiência prática quotidiana. Quantos de nós observamos comportamentos racistas no nosso dia-a-dia? Se observamos, com que regularidade? E será que é seguro afirmar que o racismo que existe é aceite na nossa consciência colectiva como algo bom? Ou será que quem o pratica sabe que não é um comportamento socialmente aceite?

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Por outro lado, quantas vezes não ouvimos Portugal a ser elogiado por quantos o procuram pela afabilidade dos seus habitantes, fazendo do nosso pequeno rectângulo um paraíso para o turismo internacional? Quantos governantes, deputados, oficiais militares, dirigentes empresariais e até futebolistas não tiveram já a admiração, o respeito e o afecto de tantos milhões de portugueses? Quantos imigrantes e estudantes dos PALOP ou do Brasil não nos procuram para terem uma melhor qualidade de vida?

Em terceiro lugar, é importante realçar o óbvio: a legislação portuguesa não só garante que não há discriminações injustas entre pessoas, como criminaliza qualquer comportamento racista (vide art. 240 do Código Penal). Obviamente, isto, por si só, não garante que não existam comportamentos racistas em Portugal, mas fere de morte a narrativa que se tem vindo a instalar de que em Portugal o racismo está institucionalizado.

Há pessoas racistas, há comportamentos racistas e há violência policial injustificada. Ninguém o nega. Mas só por teimosia ideológica se pode identificar Portugal como um país racista.

Infelizmente, foi precisamente o que aconteceu nas manifestações do passado dia 6 de Junho em todo o país. Embora muitas pessoas tenham participado com a intenção de genuinamente se manifestar contra a violência policial nos EUA ou contra o racismo em geral, a verdade é que, mesmo essas, paradoxalmente, se viram envoltas numa multidão de gente que invocava símbolos e frases de ordem que mais pareciam de apoio à violência do que contra ela.

Posso admitir que fosse por ignorância em alguns casos, mas a verdade é que foi assustador ver a quantidade de símbolos e de referências a movimentos activistas radicais como o Black Lives Matter ou o histórico Black Power, que não têm – felizmente – qualquer relação com a realidade portuguesa e que têm sido responsáveis por episódios lamentáveis de criminalidade e de violência contra agentes da autoridade e contra civis nos EUA.

Tal como não aceitaria participar numa manifestação, independentemente da causa, cheia de suásticas ou foices e martelos, símbolos que evocam o pior que o ser humano é capaz de fazer, também não me sentiria bem a participar numa manifestação que apresente orgulhosamente estes símbolos, a par dos infames cartazes a apelar à morte dos polícias.

Não podemos ser ingénuos. Devemos admitir que existe racismo em Portugal, mas a narrativa de que há um problema de racismo estrutural em Portugal é apenas mais uma das noções “politicamente correctas” importadas dos EUA que, tal como o novo feminismo ou o activismo LGBT, nada tem que ver com as causas nobres que defendiam o fim da escravatura ou a igualdade em dignidade entre todos os homens e mulheres. Pelo contrário, trata-se de uma agenda ideológica de inspiração marxista que substituiu a velha luta de classes pelas mais hodiernas lutas de géneros, raças, minorias e grupos.

Contra a tradicional visão cristã de que todo o Homem tem igual dignidade, esta ideologia despe o Homem da sua humanidade. Já não somos homens ou mulheres, únicos e irrepetíveis, somos, isso sim, meros elementos de grupos oprimidos ou opressores: LGBTs, negros, brancos, asiáticos, latinos, etc…

Dizem-nos que urge “celebrar” ou “empoderar” os grupos oprimidos. Porém, não através do respeito, tolerância ou do reconhecimento de valores universais, mas através do policiamento e censura de comportamentos, pensamentos e da linguagem. A lógica deixa de ser um lógica de igual dignidade entre todos os Homens, para passar a ser uma lógica totalitária de guerrilha constante, de intimidação e de vitimização, dando azo a abusos inaceitáveis como aquele que reportei aqui. Estes arautos da inclusão e da tolerância deixaram bem claro: ou professamos todos a ortodoxia politicamente correcta, ou somos ostracizados. E nem os mortos escapam desta fúria.

Um antigo presidente dos EUA, num notável discurso em 1991 na Universidade de Michigan — que podia muito bem ter sido escrito hoje — alertava para este grave problema dando nota de que estes movimentos partem, normalmente, das boas intenções de pessoas que querem combater preconceitos antigos. No entanto, o que a realidade mostra é que, em vez de se combater o preconceito antigo, apenas se está a criar um novo. Cito o referido discurso (tradução minha): «ironicamente (…) a liberdade de expressão está a ser atacada nos EUA, incluindo nos campus universitários. A noção de correcção política gerou controvérsia pelo país e, apesar do movimento nascer do desejo louvável de acabar com o racismo, sexismo e o ódio, este substitui antigos preconceitos por novos. Declara alguns tópicos como proibidos, certas expressões como proibidas e até certos gestos como proibidos. O que começou como uma cruzada pelo civismo, transformou-se numa causa para conflito e até censura.»

É este o clima de tensão que se arrasta há décadas nos EUA e é isto que algumas elites culturais e políticas querem trazer para Portugal. Queremos mesmo apoiar esta causa?

Sejamos vigilantes e muito críticos nas causas que apoiamos. Aquilo que pode parecer à primeira vista mera tolerância ou bom senso, pode esconder uma agenda ideológica que não queremos importar, por uma razão simples: não podemos combater ódio com ódio, racismo com violência, ou discriminação com censura. O caminho para uma sociedade melhor passa pela concórdia, pelo debate de ideias sereno e livre e por uma adesão maior à realidade e menor a ideologias que atacam a comunidade para a segregar em tribos rivais.