Não me parece recomendável, em particular nestes tempos de conspirações e fake news, acreditar acriticamente em tudo o que por aí anda e cuja fonte é, habitualmente, “uma pessoa de confiança” ou “alguém com contactos”. No entanto, quando numa quarta-feira o PR fala de 290 mortos e o número oficial, afinal, é 219 e quando na quinta-feira se começa o dia com a informação nas redes sociais de que há quase 20 mil novos casos e a DGS vem a correr desmentir (pelas redes sociais), algo começa a parecer suspeito. E no imaginário popular, em política, o que parece é.

Quando recebi a informação do número de novos casos, a primeira reacção foi de desconfiança. Não tenho por hábito confiar em anónimos que são amigos de amigos, pelo menos, em matéria de estatística. No entanto, comecei a notar que há uma sensação generalizada de que os números oficiais são, na realidade, os convenientes e não os reais. Se é verdade ou não, não sei. Quero acreditar que não. Mas mesmo que seja mentira, continua a ser gravíssimo e sintomático que a população não confie na informação veiculada pelo seu próprio Governo, confiando mais no amigo do conhecido que “é uma pessoa bem informada”. E é grave, porque o vínculo fundamental entre eleitos e eleitores é a confiança. Sem ela cai imediatamente toda a lógica do sistema democrático.

Infelizmente, este Governo não tem essa visão. Um Governo, um partido ou um político que tenha como critério único de decisão política a popularidade dessa decisão, assim ao jeito de Groucho Marx, tem o fracasso como horizonte garantido. É o caso deste Governo. E não fica por aqui: além de trabalhar em exclusivo com base em critérios de popularidade, é um Governo que se tem mostrado incompetente, mentiroso, liderado por um Primeiro-Ministro incapaz de assumir quando erra, preferindo passar as culpas para os seus ministros, secretários de Estado ou directores-gerais. Como pode a população confiar num Governo assim?

Os exemplos são inúmeros e já de todos conhecidos: a péssima gestão das folgas orçamentais (quando as houve), preferindo aumentar a despesa (leia-se comprar votos) ao invés de investir na economia para hoje não termos de ser dos países que menos capacidade teve de responder à crise; passando pelos incêndios, pelo “family gate”; pelo caso de Tancos; e, claro, a gestão atrapalhada da pandemia, que passou rapidamente de “milagre português” a pesadelo internacional. Isto, para não falar dos casos mais polémicos do SEF, dos “médicos cobardes”, do lar de Reguengos ou do CV falsificado do procurador europeu indicado por preferência do Governo contra os resultados do concurso internacional.

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Trapalhada, spin, mentiras, má gestão. Umas atrás das outras a um ritmo semanal. Diário, por vezes. No espaço de poucas semanas, passou-se do “confinamento jamais”, para o confinamento semelhante ao de Março, “mas sem hipótese de fechar escolas”, para, no dia seguinte, afinal, a ordem já ser para fechar as escolas. E as escolas privadas não poderem dar aulas. Já os hipermercados não podem vender roupa nem livros. Uma total arbitrariedade sem explicação possível.

E em relação às eleições presidenciais o que dizer? Como é que todos os dias se diz que é um dever cívico ficar em casa e que nem se pode estar sentado num banco de jardim, e depois vem a segunda figura do Estado dizer que “ir votar é um acto de resistência contra o vírus”? Se houve algum milagre nesta pandemia, só mesmo a resiliência do povo que não deixou de ir votar, depois de tanta informação contraditória.

De tanto querer agradar os Portugueses, este Governo só tem feito trapalhadas. Em política, e especialmente em tempos de crise, não podemos fazer o que é mais popular, temos de fazer o que está certo. As crises exigem lideranças carismáticas que não se escondam atrás de pareceres técnicos e da burocracia cinzentona para dar más notícias. É esta a grande diferença entre este (des)Governo e o Governo de Passos Coelho. É que Passos Coelho não foi popular, porque fez o que tinha de ser feito. Mas é, sem dúvida, reconhecido. Independentemente das opiniões sobre a forma como lidou com a crise, é consensual em todos os quadrantes políticos que Passos é um homem sério, íntegro, que soube pôr os interesses do país à frente dos seus interesses pessoais. O mesmo não se pode dizer de António Costa, que é (foi?) popular, mas muito dificilmente terá o mesmo reconhecimento. Já com o anterior PM do PS foi assim. Será que é desta que aprendemos a lição?

P. S.: O Governo está descredibilizado, tal como a classe política em geral no nosso país. Num momento em que nos gritam aos ouvidos todos os dias que a situação é dramática, que não podemos sair de casa, que as morgues vão ter de aumentar a capacidade e que há filas de ambulâncias nos hospitais, o que é que o Parlamento decide fazer para ajudar neste “combate” que exige “unidade nacional”? Nada. Decide reunir-se para aprovar a eutanásia na especialidade (especialidade, que de especial tem apenas a parvoíce, já que fez tábua rasa da opinião dos – esses sim – especialistas). Será um problema de prioridades? Ou será que há pressa porque começam a sentir que este Governo não vai durar muito mais tempo? Veremos.