1. O Bloco de Esquerda e muitos dos seus camaradas das ruínas socialistas, sobretudo os que trabalham no Centro de Estudos Sociais na Universidade de Coimbra, passaram anos a defender e a elogiar o regime chavista na Venezuela. A Venezuela de Chávez simbolizava a resistência ao “imperialismo” norte-americano. Lembro-me muito bem como as nossas esquerdas, durante a primeira década deste século, não perdiam uma oportunidade para elogiar Chávez e atacar George W. Bush.
O “chavismo” também era visto como um modelo para países europeus como Espanha e Portugal. Era o socialismo do século XXI. E a verdade é que há mesmo socialismo na Venezuela. Chávez começou por partidarizar as Forças Armadas. Depois controlou a comunicação social. Nacionalizou as grandes empresas dos sectores económicos mais importantes do país. Por fim, o seu sucessor, Nicolas Maduro, violou direitos humanos de uma forma sistemática, colocou adversários nas prisões, apenas por razões políticas e ideológicas, e executou golpes constitucionais.
Qual foi o resultado do socialismo na Venezuela? Fim do Estado de direito, presos políticos, poder quase absoluto do Estado, conflitos e pilhagens nas ruas, pobreza extrema, fome e agora milhares de refugiados. Vale a pena comparar o regime socialista da Venezuela com os governos capitalistas da vizinha Colômbia, governada há mais de uma década por presidentes de centro-direita. Enquanto na Venezuela o regime agravou os confrontos internos, os governos burgueses da Colômbia estão a construir a paz. Na Venezuela, o regime impôs uma ditadura; na Colômbia a democracia consolidou-se. A pobreza aumenta na Venezuela. A Colômbia está a caminho de se tornar na segunda maior economia da América do Sul. Entende-se que os antigos partidários do chavismo tenham dificuldades em defender o legado socialista na Venezuela.
Há um ponto que deve ser sublinhado. Chávez e Maduro não se afastaram do socialismo. Pelo contrário, eles implementaram mesmo um regime socialista. Como todas as outras experiências socialistas do século XX, o socialismo na Venezuela acabou numa ditadura, na pobreza, na miséria e com refugiados a fugirem para países capitalistas.
2. A reação do Bloco e do PCP à comunicação de Mário Centeno a propósito do fim do programa de ajuda à Grécia foi mais um dos habituais exercícios de hipocrisia das esquerdas marxistas desde que apoiam as políticas da Zona Euro. Centeno não disse nada de novo nem se afastou um milímetro do que tem sido a sua actuação como ministro das Finanças desde 2015. Não sei onde está a surpresa. Centeno é um ortodoxo em matéria de políticas orçamentais e fiscais. Se não fosse, não teria sido escolhido para presidente do Eurogrupo.
No essencial, Centeno pensa como Vítor Gaspar. Ou, pelo menos, está muito mais próximo do antigo ministro das Finanças de Passos Coelho do que está do Bloco ou do PCP. Não é segredo para ninguém. E as esquerdas radicais sempre o souberam desde o dia em que apoiaram este governo. Uma das grandes fraudes da política portuguesa desde 2015 é o apoio do Bloco e do PCP a um governo com um ministro das Finanças que pensa e age como Vítor Gaspar. Obviamente, Centeno tem sido um elemento central nessa fraude. Ataca o programa de austeridade do governo de Passos Coelho em Portugal, mas defende um programa ainda mais duro na Grécia.
O político cujas palavras tanto ‘indignaram’ as extremas-esquerdas é o mesmo que faz os orçamentos que o PCP e o Bloco aprovam no Parlamento. Deixo um desafio aos deputados bloquistas e comunistas. Estão indignados com as palavras de Centeno sobre a Grécia? Então votem contra o último orçamento deste governo. Se não o fizerem, as palavras de Centeno são também as vossas palavras.
A Venezuela mostrou a incapacidade dos nossos marxistas para defender um regime socialista. Como os entendo. O apoio aos orçamentos de Centeno mostra a sua disponibilidade para votar a favor de políticas financeiras ortodoxas. Bem-vindos ao neo-liberalismo, camaradas.