Um dos sinais mais fortes da arrogância e da irresponsabilidade dos socialistas – em doses iguais – é a indiferença pelas consequências das suas decisões. Acharam que a consagração de António Costa como PM, apesar de ter perdido as eleições de 2015, não iria ter qualquer impacto político. Para eles o poder é tão natural, que não entenderam a natureza extraordinária da violação de uma regra de mais de quatro décadas de democracia. Pelo contrário, o discurso oficial foi imediatamente que a geringonça não era mais do que uma prática habitual da nossa democracia. Tão ‘habitual’ que em 2019 se voltou à ‘anormalidade’ de governos minoritários do partido que ganha as eleições. Mas para muitos eleitores de direita, a geringonça foi uma espécie de golpe de estado democrático.

Quando apareceu o Chega, o resultado partidário da irritação de parte da direita, as esquerdas acharam que resolviam facilmente o problema, tratando-o como “fascista.” As esquerdas falam tanto da direita mas não a conhecem bem. A maioria do eleitorado de direita é incapaz de levar a sério as esquerdas quando elas usam a palavra fascista, sobretudo de forem os comunistas e os bloquistas. Para as direitas, um partido que apoiou Stalin não é levado a sério quando chama fascista a alguém. Do mesmo modo, quem – como o Bloco –  apoiou o regime de Chavez não pode ser levado a sério quando chama radical a um partido.

O pacto legislativo com as extremas esquerdas, em 2015, foi a autorização socialista para muitos eleitores de direita saírem do armário. E as esquerdas não tenham dúvidas: se um dia o Chega for necessário para uma maioria de direita, André Ventura será ministro. Será a conclusão do ciclo político iniciado pela geringonça. Para grande infelicidade do Bloco, que sonha com ministérios, o PSD é menos egoísta no exercício do poder do que o PS.

Marcelo Rebelo de Sousa percebeu desde o dia que chegou a Belém que a geringonça teria um impacto político na direita. Ao contrário das esquerdas, o PR conhece bem as direitas. Mas, num ponto, a sua estratégia falhou. Recordam-se do “populismo bom” de Marcelo? E lembram-se do argumento de que essa estratégia impediria o aparecimento de um partido de direita populista? Bom, não impediu. Apareceu o Chega, André Ventura foi eleito deputado e será candidato presidencial. Mas, para a estratégia bloco central de Marcelo, a candidatura de Ventura não é má.

A candidatura de Ventura é má para o PCP e para o Bloco. Os comunistas e os bloquistas vivem com um pesadelo: Ventura ficar à frente dos seus candidatos presidenciais. Eles sabem que deixaram de ser partidos anti-sistema, graças à geringonça. Alguém hoje em Portugal acha que Francisco Louçã, Jerónimo de Sousa, Mariana Mortágua ou os dirigentes dos sindicatos são contra o sistema? Na direita ninguém acha. Por isso há eleitores do PCP, que continuam a não gostar do sistema, e que passam directamente para o Chega. Em Janeiro do próximo ano, haverá muitos insatisfeitos em Portugal. Se quiserem votar num partido contra o sistema vão votar no PCP, no Bloco ou no Chega? O Chega pode ser o partido dos pobres e conservadores culturais. Ainda há alguns em Portugal. Se votarem no Chega, é porque os outros partidos os abandonaram.

As últimas sondagens indicam que entre 70% e 75% dos eleitores podem votar em Marcelo Rebelo de Sousa e em André Ventura. Portugal pode ser um país de esquerda, como muitos gostam de dizer, mas parece que muitos desses eleitores não se importam de votar em candidatos de direita. Marcelo não assusta os socialistas e outros eleitores das esquerdas insatisfeitas vão juntar-se às direitas também insatisfeitas. Esta coligação improvável é um dos resultados da geringonça. E é por isso que existe o Chega.

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