A insuficiência cardíaca é a doença que todos os portugueses devem conhecer tão bem quanto conhecem a diabetes, a hipertensão, ou até mesmo a insónia.

O mais recente estudo sobre a insuficiência cardíaca em Portugal (PORTHOS) concluiu que um em cada seis portugueses com mais de 50 anos sofre desta doença. O cenário torna-se mais grave quando se percebe que 9 em cada 10 não sabiam que a tinham. Estudos anteriores apontavam para uma prevalência muito inferior, mas é fácil compreender o porquê. A população está a envelhecer. Se hoje se estima que cerca de 25% da população portuguesa tenha mais de 65 anos, em 2050 essa percentagem poderá ser quase metade da nossa população.

Os avanços na saúde e o acesso mais amplo aos cuidados permitiram um maior foco na prevenção e no diagnóstico precoce de várias doenças, enquanto as pessoas sobrevivem mais a eventos como enfartes e AVC. Há umas décadas, não se diagnosticavam nem tratavam tantos casos de diabetes ou hipertensão como atualmente. Com a longevidade crescente, o corpo humano tem mais oportunidades para manifestar doenças relacionadas com o envelhecimento dos órgãos, como é o caso do coração, onde a insuficiência cardíaca tem lugar.

Os sinais e sintomas da insuficiência cardíaca podem incluir inchaço dos pés no final do dia, cansaço desproporcional, menor resistência para realizar atividades diárias, necessidade de parar após esforço, ou até dificuldade para dormir sem estar mais elevado por almofadas devido à falta de ar. Estas queixas, contudo, são frequentemente desvalorizadas, sendo atribuídas ao “normal envelhecimento”. No entanto, é precisamente nesta fase inicial, com sintomas mais leves, que o risco de morte súbita é maior.

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Quando a doença progride, as dificuldades nas atividades diárias tornam-se tão graves que muitas pessoas acabam por procurar os serviços de urgência, onde o tratamento consiste muitas vezes apenas em aliviar temporariamente os sintomas com medicamentos como diuréticos. Este ciclo continua até que os internamentos se tornam frequentes e a qualidade de vida diminui drasticamente, desperdiçando-se a janela de oportunidade para um controlo adequado da doença.

Sabia que após o diagnóstico de insuficiência cardíaca, 50% das pessoas morrem passados cinco anos? Para termos uma comparação, a insuficiência cardíaca mata mais do que alguns dos cancros mais prevalentes, como o cancro da mama.

A questão do acesso ao diagnóstico é outra barreira significativa. Existe um exame ao sangue, chamado de peptídeo natriurético, que pode ajudar a diagnosticar facilmente esta doença. Porém, este exame não é comparticipado pelos centros de saúde, apenas pelos hospitais. Se o objetivo é diagnosticar e tratar a doença para reduzir a mortalidade e melhorar a qualidade de vida dos doentes, não faria sentido esta análise estar disponível também nos centros de saúde? Além disso, nos hospitais, onde os casos mais graves são acompanhados, o acesso aos ecocardiogramas, outro exame crucial, é mais limitado. Este contrassenso deve ser rapidamente corrigido pelos decisores políticos. Felizmente, quem tem ADSE já tem comparticipação neste tipo de análise, o que reforça o desequilíbrio de acesso entre quem tem capacidade financeira e quem não tem.

Outro ponto relevante é a baixa comparticipação de alguns medicamentos utilizados no tratamento da insuficiência cardíaca, o que coloca um peso significativo nas famílias, especialmente nas mais vulneráveis. Apesar dos avanços terapêuticos, a acessibilidade financeira continua a ser um desafio para muitos doentes.

Há consenso entre médicos e enfermeiros de diferentes especialidades de que o Serviço Nacional de Saúde deve priorizar os doentes com insuficiência cardíaca, uniformizando os recursos de diagnóstico, melhorando a literacia da população, sensibilizando e formando os profissionais nesta área e melhorando a comparticipação dos tratamentos. Diagnosticar e tratar a doença precocemente reduz não só a mortalidade, mas também os custos associados a episódios de urgência, internamentos frequentes e perda de qualidade de vida.

A Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca (AADIC) tem desempenhado um papel fundamental na educação dos doentes, promovendo melhores condições para quem vive com esta doença e sensibilizando os decisores políticos para a urgência desta questão.

Termino com uma reflexão: sofrer do coração não é o mesmo que ter insuficiência cardíaca. É crucial que os doentes compreendam a diferença, estejam atentos aos sinais, e saibam gerir esta condição que se torna cada vez mais prevalente no coração envelhecido dos portugueses.

Jonathan dos Santos é médico de Medicina Geral e Familiar, coordenador do Grupo de Estudos de doenças Cardiovasculares da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. É autor do blog oteumedicodefamilia.com 

Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.

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