1 Com mais ou menos debate, com mais ou menos ruído, com argumentos melhores de Luís Montenegro nas propostas de uma parte na saúde e na educação e a boa capacidade argumentativa de Pedro Nuno Santos sobre temas mais políticos e sobre questões como as pensões e as críticas à reforma fiscal proposta pela Aliança Democrática (AD) — apesar disso tudo, o debate visto por mais de dois milhões de telespetadores pouco ou nada alterou sobre a dinâmica atual da campanha.

Era Pedro Nuno Santos (PNS) quem partia em clara desvantagem para este debate porque estava em perda. O PS teve uma derrota histórica nos Açores, tem descido nas sondagens — a exceção foi a última sondagem da Aximage — e os debates não correram bem ao secretário-geral do PS. Por isso mesmo, PNS estava obrigado a uma vitória clara, de preferência por KO.

Mesmo reconhecendo algo óbvio — PNS esteve claramente mais aguerrido, mais combativo e mostrou a sua face carismática de lutador —, não houve uma vitória retumbante do líder do PS. Por outro lado, não é claro que os indecisos tenham ficado menos indecisos após o debate e que algum candidato tenha roubado votos ao outro.

Nesse sentido, o resultado acaba por beneficiar o candidato que se encontra em melhor posição neste momento: Luís Montenegro.

2 Aliás, parece-me claro que, entre PNS e Luís Montenegro, foi o líder da AD quem mais beneficiou com os 28 debates e respetiva exposição pública. Isto porque consolidou claramente a imagem de que é um candidato credível a primeiro-ministro através da serenidade, segurança e clareza com que comunica. Essa foi uma imagem que foi sendo construída e consolidou-se junto do eleitorado nas últimas semanas.

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Pedro Nuno Santos, por seu lado, teve uma postura errática ao longo dos seus debates. Começou por vestir um fato que não é o seu — o fato do moderado e institucional —, e pareceu quase sonâmbulo face a André Ventura e discreto com Rui Rocha. Apenas animou com os seus parceiros naturais, em especial com Rui Tavares. E agora, no último debate, mudou radicalmente.

Por outro lado, parece-me duvidoso que o eleitorado moderado, que se posiciona ao centro e vai oscilando de eleição para eleições entre o PS e o PSD, valorize por aí além a postura agressiva e intensa que PNS adotou para o debate com Montenegro. É verdade que os jornalistas valorizam muito essa capacidade de combate mas tenho muitas dúvidas que o eleitorado mais moderado faça a mesma avaliação.

Muitos eleitores terão valorizado ou reforçado a ideia de que provavelmente já tinham: PNS age por impulso, é carismático mas pouco ou nada tem para mostrar enquanto ministro da Infraestruturas e da Habitação.

3 Acresce a tudo isto que Pedro Nuno Santos não consegue vender a ideia de que o PS é a única alternativa ao PS porque não tem resultados para mostrar em áreas centrais como a saúde (na qual o cidadão comum não tem o acesso devido ao SNS), a educação (na qual milhares de alunos continuam sem professores) ou até mesmo a economia (muitos portugueses perderam poder de compra devido ao surto inflacionista).

O tema da falta de obra para mostrar leva a uma pergunta que muitos eleitores fazem: se os socialistas não mudaram nada em oito anos, porque razão conseguirão mudar agora?

Por outro lado, o PS está a cometer um erro estratégico. Os estrategas socialistas confundiram claramente a popularidade que o primeiro-ministro António Costa tinha (e que, de certa forma, ainda persiste) com a popularidade do Governo e dos seus ministros. São duas coisas completamente diferentes, daí que a a taxa de aprovação de Costa tenha sido quase sempre superior à do próprio Executivo.

A partir dessa análise errada, a campanha do PS tem persistido em mostrar Pedro Nuno Santos rodeado de muitos dos seus antigos colegas no Conselho de Ministros sem resultados para mostrar. Provavelmente aquele tem mais resultados para mostrar nos últimos anos, Fernando Medina, é aquele que o próprio líder não quer ver a seu lado.

O facto de Pedro Nuno Santos ter sido incapaz até ao momento de mostrar caras novas, de forma a que se assuma que o novo PS irá sempre fazer uma renovação caso ganhe um novo mandato para governar o país, descredibiliza ainda mais a ideia de que o PS é a alternativa ao próprio PS.

Repete-se a pergunta que muitos eleitores fazem: se ao fim de oito anos de Governo temos muitos alunos sem professores, hospitais públicos desorganizados, com falta de médicos e de enfermeiros e com pior acesso à saúde, como podemos confiar que é agora que o PS irá mudar alguma coisa e apresentar melhores resultados?

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Se Pedro Nuno Santos é o incumbente e tem de prestar contas por tudo o que os governos de António Costa fizeram de bem (rigor orçamental, descida da dívida, reposição dos cortes salariais da troika e combate à pandemia) e de mal (caos na saúde e na educação, perda de poder de compra por via da inflação e crise na habitação), Luís Montenegro, por seu lado, tem de se concentrar nas suas ideias.

E aqui há que distinguir dois aspetos estratégicos do programa eleitoral da AD:

  1. As propostas de emergência para setores onde os socialistas falharam redondamente, nomeadamente na saúde, na educação e na habitação;
  2. E as propostas económicas para aumentar a competitividade da economia nacional, reduzir os impostos e promover um crescimento do salário mínimo e do salário médio sustentado em ganhos de produtividade.

Vou deixar este segundo ponto para outro artigo e concentrar-me apenas no primeiro ponto.

Em relação às propostas de emergência, a AD e Luís Montenegro têm conseguido convencer na área da saúde. A prioridade dada ao acesso à saúde — independentemente do prestador do serviço ser público ou privado — é algo que é atrativo para qualquer eleitor médio sem qualquer preconceito ideológico.

Ao contrário da Iniciativa Liberal, que defende um modelo de rutura e muito mais ambicioso (em que a escolha do utente seria livre), a AD opta por uma ideia mais moderada (o regime de Parceria Público Privada) e que mostrou bons resultados antes da política ideológica da ministra Marta Temido. Os slogans de Pedro Nuno Santos, de Mariana Mortágua e Paulo Raimundo de defesa do Serviço Nacional de Saúde não têm na comunidade porque as pessoas sabem perfeitamente o estado degradado do SNS — e nem foi preciso a AD e Montenegro falarem da célebre revolução das 35 horas.

Aliás, foi muito útil a falsidade várias vezes repetida por Mariana Mortágua de que o Tribunal de Contas critica as PPP. Basta ler auditorias como esta ou esta, para perceber o tamanho da asneira.

O mesmo se pode dizer da escola pública — outro refrão que vários dirigentes da esquerda repetem até à exaustão, mesmo que alguns deles coloquem os seus filhos nas escolas privadas. Basta ler os dados que FENPROF, sindicato controlado pelo PCP (um dos parceiros com quem Pedro Nuno Santos se quer coligar)  divulgou o mês passado para percebermos a dimensão do problema na Educação: “Mais de 40.000 alunos sem todos os professores no reinício das aulas; problema agravou-se 224% em apenas dois anos.”

Uma vez mais, a recuperação de algo que corria bem — os acordos com o setor privado em áreas do país mais carenciadas — é uma solução, entre outras que especialistas conceituados como Alexandre Homem Cristo certamente, poderão levar a cabo.

5 E, finalmente, a Habitação. É o problema mais complexo de resolver porque as causas do mesmo são variadas e sem solução fácil. É importante começar por dizer que, ao contrário do que propaga o BE e o PCP, o problema central não está nos vistos gold, nos benefícios fiscais aos reformados estrangeiros (embora estes possam ser questionados por constituírem dumping e uma desigualdade fiscal face aos nacionais) ou no alojamento local.

Não só a compra de estrangeiros constituem uma ínfima parte do mercado (cerca de 3%), como o alojamento local apenas constitui um problema sério em duas ou três freguesias mais centrais de Lisboa e do Porto.

O problema do lado da procura está, sim, no facto das transações de imóveis terem subido de forma muito significativa devido à descida histórica das taxas Euribor para plano negativo entre 2015 e 2022.

Aliado a esta pressão da procura, acontece outro acontecimento histórico: verificou-se uma brutal diminuição de 85% da oferta da construção nova entre 2000 e 2020. Depois de um pico histórico de poucos milhares de imóveis novos em 2015, pouco se melhorou desde então.

Basta ver os dados do INE para o terceiro trimestre de 2023 e compará-los com o pico anual de 2002: em 2002 construíram-se mais de 120 mil casas, enquanto que no terceiro trimestre de 2023 o mercado não foi além de cerca de 5 mil novos licenciamentos.

Também aqui não há outra solução melhor do que, entre outras soluções, apostar num novo regime de PPP com o setor privado, apostando seriamente na desburocratização do licenciamento de novas construções. Com a consciência de que o caminho é muito longo para se conseguir resolver o problema da habitação.

As promessas do Governo do PS para a habitação falharam redondamente, sendo legítima a pergunta que se faz a qualquer incumbente (e logo com oito anos de poder): por que razão conseguirão fazer agora algo de novo e com melhores resultados? E logo com um ministro que tutelou a área, como Pedro Nuno Santos.