Em 2002, 50 chechenos tomaram um teatro em Moscovo e fizeram centenas de reféns. Depois de mais de dois dias de cerco ao teatro, Putin decidiu lançar gás tóxico nas condutas. Matou os sequestradores, mas também centenas de reféns. Dois anos depois, outra vez pelas mãos de chechenos separatistas, uma escola em Beslan, uma cidade russa, foi ocupada e dezenas de crianças armadilhadas com bombas. Após quase três dias de cerco, onde não havia comida nem água para qualquer um dos reféns, as forças especiais russas, a mando de Putin, entraram na escola, recorrendo a um nível de violência desproporcionado, usando lança-chamas, lançadores de granadas, metralhadoras de alto calibre e tanques de guerra. Centenas morreram, incluindo crianças.

O Tribunal Internacional dos Direitos Humanos criticou altamente estas duas decisões do Kremlin, mas a verdade é que Putin apenas saiu mais forte depois destas suas duas decisões que não chocaram suficientemente o mundo.

Numa altura em que a luta da ditadura contra a democracia volta a assolar o continente europeu, ficamos com a impressão  de que os líderes ocidentais não compreendem verdadeiramente com quem estão a lidar. Tal e qual como aconteceu em 1939. Nos últimos dias muita coisa mudou e esta guerra tem avançado a um ritmo alucinante.

O presidente russo nunca aceitou o desmantelamento da União Soviética em 1991 e considera a extensão da NATO a estes países uma ameaça. Em 2005, no seu discurso sobre o Estado da Nação, Putin chamou ao colapso da União Soviética a “maior catástrofe geopolítica do século“. A comunidade internacional deixou andar e quando algo deste tipo é dito, não podemos ignorar. Putin é a serpente que o mundo ocidental aninhou no seu seio.

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A Rússia é um Estado autoritário em claro declínio, um declínio ao qual Putin não foi capaz de responder por meios convencionais, até porque a Rússia enfrenta um claro cenário de decadência económica e social, tendo sido deixada para trás por muitos outros Estados. Toda a situação que vivemos atualmente é o culminar de vários anos de uma estratégia enraizada numa base de “guerra híbrida”, na qual emerge a noção de sharp power como uma forma de alguns regimes levarem a cabo a sua política externa. Este termo insere-se no âmbito das Relações Internacionais e envolve normalmente ações de censura ou o uso de manipulação para minar a integridade de instituições independentes. O sharp power tem o efeito de limitar a liberdade de expressão e distorcer o ambiente político ao tentar causar desinformação e desestabilização dos regimes democráticos.

Este sharp power é uma arma bastante recente no campo das Relações Internacionais e os seus efeitos têm sido cada vez mais evidentes: na influência russa nas eleições americanas de 2016; nas eleições britânicas de 2020; na constante tentativa de roubar dados pessoais de vários cidadãos europeus ou mesmo na crise artificial de refugiados que Putin supostamente armou em 2021 para prejudicar a União Europeia numa área onde a instituição supranacional sempre encontrou sérias dificuldades.

Putin tira partido das maiores fraquezas das democracias e aproveita ao máximo todas as suas fragilidades, explorando-as e tirando partido das assimetrias entre regimes livres e outros nem tanto, acabando por causar uma terrível instabilidade. Estamos atualmente a assistir aos efeitos da campanha de desinformação que tem sido gerada. Putin encontrou o ponto ideal para lançar a sua ofensiva: Merkel retira-se de cena e a União Europeia perde a sua figura mais respeitada no palco internacional.

Ao longo dos últimos dias, temos assistido ao acordar e implementar de várias sanções por parte dos Estados Unidos, Canadá, União Europeia e, mais recentemente, Japão. Mas as democracias do Ocidente não podem ficar por aqui. Devemos substituir o petróleo e o gás russos, pressionar a OPEP, aumentar a produção, reabrir o oleoduto Keystone. Não se pode salvar o Planeta se não se salvarem as pessoas que nele vivem. Temos, contudo, que reconhecer que haverá custos e sacrifícios. Esperámos muito tempo, o preço é elevado, mas só vai aumentar. Chegou a hora de lutar. É necessário apoiar a Ucrânia militarmente e de imediato com tudo à exceção de tropas da NATO no terreno, já que o Artigo Quinto do Tratado de Washington assim não o permite. Levar à bancarrota a máquina de guerra de Putin. Congelar e confiscar as finanças da Rússia, de Putin e os biliões dos oligarcas que tem por trás.

Foi bom assistir à união dos países da EU manifestada no acordo de novas sanções, desta vez verdadeiramente robustas. Com certeza o Kremlin não esperava esta união em Bruxelas.

Devemos expulsar a Rússia de todas as instituições financeiras e de inteligência. Não vale a pena falar. A nova mensagem unificada deverá ser “parar ou ficar completamente isolado”. Devemos proibir todos os elementos da máquina de propaganda global de Putin. Desligá-los, fechá-los, mandá-los para casa. Parar de ajudar o ditador a espalhar mentiras e ódio.

Não se trata de uma guerra pequena. A ordem europeia e mundial estão a ser completamente alteradas. Até a Alemanha acabou de mudar grande parte da sua política de defesa. Desde 1945, nunca enviaram armamento para zonas de conflito, por razões óbvias. Isso foi revertido e Olaf Scholz disse que “estamos numa nova era”.

A solução está longe de ser simples, mas não podemos limitar-nos a condenações. Neville Chamberlain também condenou Hitler após a invasão da Polónia. Na política, nada acontece por acaso e o ponto da História em que nos encontramos está cheio de promessas e perigos. O mundo ou avançará para a unidade e a prosperidade amplamente partilhada, ou se afastará. Não é suficiente apenas querer – temos de nos perguntar o que vamos fazer para acertar as coisas.

Toda a guerra é um sintoma do fracasso do Homem como animal pensante e não há bandeira suficientemente grande para cobrir a vergonha de matar pessoas inocentes. Habituámo-nos à ideia de que os perigos estavam longe e nunca nos iriam afetar, mas a guerra regressou à Europa. O destino do mundo está decidido na Ucrânia e esta falta de resposta internacional irá criar um precedente perigoso durante décadas.

O mundo perdeu o seu rumo e, oitenta anos mais tarde, as palavras de Charlie Chaplin permanecem mais relevantes do que nunca. Acordámos em 1939 e uma nova “Cortina de Ferro” ergue-se na Europa. Uma vez mais, um país europeu está a ser invadido e destruído pelo devaneio de um ditador.

Mark Twain disse que a História não se repete, mas rima frequentemente. Neste momento, estamos a escrever o nosso futuro enquanto humanidade, uma vez mais. A primeira quadra do século XXI é estarrecedora e o resto do poema adivinha-se tenebroso.