Em outubro de 1889, em plena época de pânico com a massificação da eletricidade, momento que ficou conhecido como “Electric Wire Panic”, após várias mortes relacionadas com a colocação de postes elétricos nos Estados Unidos, muitos eram os que condenavam a chegada da eletricidade à vida urbana. Hugh J. Grant, à época mayor de Nova Iorque, tomou decisões que mudaram a indústria da eletricidade e fez aprovar leis que escondessem os cabos elétricos da vista dos cidadãos, instalando-os de forma subterrânea, descansando todos os que iriam usufruir dela.

Hoje, seria um absurdo conceber a vida sem eletricidade. Foi a tecnologia que nos tirou das cavernas e agora está integrada nas nossas vidas do dia-a-dia, nas pequenas coisas até: os nossos telemóveis dizem-nos como fugir do trânsito, a Netflix e a Amazon já nos dizem o que ver ou o que comprar, o Roomba aspira-nos a casa sem esbarrar nos móveis. Mas podemos ir mais além – muito mais além. Por exemplo, a inteligência artificial e a computação quântica podem apoiar e acelerar descobertas científicas, processos médicos, encontrar soluções sociais e ambientais.

As inovações tecnológicas levantam dúvidas, ansiedades, receios porque há nelas uma promessa de tudo poder mudar após a sua aplicação. Os mesmos exemplos da inteligência artificial ou da computação quântica, criam receios até perante a fragilidade das democracias: a proporção de preocupação com os riscos, até com receios sobre o seu significado para a sociedade, tem tanto peso como a esperança que acarretam. O importante é sabermos seguir o exemplo dos nossos antepassados e saber colocar a tecnologia ao nosso serviço, reduzindo ao máximo os obstáculos que ela apresenta. Neste preciso minuto, já estamos a esbarrar nesses obstáculos primordiais. Foquemo-nos em três áreas específicas: o ambiente, a sociedade e a governação.

No que respeita ao ambiente, há ecos preocupantes: é o caso do que está a acontecer na Indonésia, onde os níveis de desflorestação são gigantescos, em nome da extração de níquel para o assembling de baterias para automóveis elétricos. Além disso, para salvar a Humanidade da sua dependência de combustíveis fósseis, estamos a apostar cada vez mais em parques solares fotovoltaicos. O grande problema é a disrupção causada em ecossistemas de fauna e flora, que pode vir a ser ameaçador para o equilíbrio do planeta nas próximas décadas. Ou seja, de uma solução verde nasce um novo problema ambiental. É óbvio que necessitamos de ações para combater o aquecimento global, mas a sustentabilidade pura não existe.

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Se a tecnologia cria tensões com o ambiente, também podemos afirmar que a tecnologia e o ambiente criam tensões com a sociedade: as tecnologias que estão a tentar resolver o aquecimento global, são elas igualmente fonte de tensão com as pessoas que, em primeira mão, sofrem com as consequências desse mesmo aquecimento. Além disso, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que mais de 20 milhões de “empregos verdes” podem ser criados até 2030. Para outras organizações internacionais, o otimismo vai mais além, calculando números entre os 50 e os 70 milhões. A prática em vários países tem demonstrado que estes empregos são geralmente pouco qualificados, precários e mal remunerados.

Mas as tensões criadas com a sociedade não se ficam por aí. No discurso de líderes políticos à volta do mundo é costumeiro ouvir uma expressão de “não deixar ninguém para trás” com os avanços tecnológicos. É um bom desígnio político, embora a realidade tenda sempre a confrontar os planos dos melhores consultores estrategas.

Tão grave quanto deixar alguém para trás pela dificuldade de ultrapassar uma barreira tecnológica é não entender que a adoção de tecnologia nos poderia oferecer uma organização do serviço público diferente, já não preocupada com a equidade do serviço prestado considerando a escassez de recursos, mas com uma interligação tecnológica que permitisse organizar micro-serviços pela necessidade da comunidade ou do cidadão e, cada vez mais, garantido localmente.

Na conferência organizada pela APDSI, sobre a “Digitalização e Modernização da Administração Pública”, abordei a questão da esperança de que a tecnologia mudasse o modelo de organização da prestação de serviço público e criasse práticas de governança. No entanto, o que se sente ainda é uma tensão enorme entre as expectativas que estão sempre a evoluir e aquilo que a tecnologia nos oferece, entre a nossa privacidade e controlo dos nossos dados e a comodidade na prestação de um serviço.

Existem, todavia, sinais de grande otimismo, e é nessa nota que quero terminar. É inequívoco que as novas gerações estão cada vez mais alerta para a necessidade de mudança. Ao mesmo tempo, essas gerações parecem saber ler melhor a sala. Conhecem o nível de complexidade de assuntos que são novos para as gerações dos seus pais e dos seus avós, e como tal há sinais que nos levam a crer que poderão saber identificar ainda melhor os desafios ambientais, sociais e de governança. E identificar os problemas é meio caminho andado para encontrar soluções.

Por outro lado, estudos recentes indicam que as métricas ESG têm feito um bom trabalho na consciencialização para as necessidades do planeta e do modo como a tecnologia pode vir a ser a chave para encontrarmos a solução para a emergência climática. No fundo, há motivos para estarmos otimistas. Porque, se todos estivermos alerta, todos estaremos cientes do desafio monumental, o que facilitará a comunicação e a sintonia mútua.