A maioria dos partidos convencionais na Europa afirma que a direita populista e nacionalista é uma ameaça à democracia ou, pelo menos, uma ameaça à ordem política estabelecida (por exemplo, defensores da saída da União Europeia ou do euro). Este argumento é inteiramente legítimo. Deve combater-se partidos anti-democráticos, tal como para quem acredita nas virtudes da integração europeia (como eu), deve lutar contra aqueles que querem sair da UE.

O problema é que os partidos convencionais das esquerdas às direitas foram longe de mais e estão eles próprios a diminuir a qualidade da democracia, senão mesmo a atacar a vida democrática.

Vamos começar pelo argumento de que os partidos populistas são anti-democráticos. Isto não é um mero caso de opinião, mas sim uma questão legal. Há autoridades a quem compete decidir se um partido é democrático ou anti-democrático. Na maioria dos países europeus, tal como em Portugal, compete ao Tribunal Constitucional. Na minha opinião, o partido comunista não é um partido democrático. Mas sim um partido que apoia regimes totalitários e ditaduras. Mas a minha opinião pouco conta perante a posição do Tribunal Constitucional. Por isso, combato os comunistas por meios democráticos. Segundo o Tribunal Constitucional português, todos os partidos que concorrem às eleições são democráticos. Isso é que conta, não são as opiniões individuais.

A partir do momento em que concorrem às eleições, são os eleitores que validam a natureza democrática de todos os partidos. Por isso, considero que as linhas vermelhas contra o Chega (ou contra o PCP ou o Bloco) são anti-democráticas. São sobretudo ataques aos eleitores e não apenas aos partidos. Concordo que haja linhas vermelhas em relação a políticas específicas. Por exemplo, se a AD negociasse uma coligação com o Chega, teria toda a legitimidade para impor linhas vermelhas em relação a algumas políticas durante essa negociação (eu seria o primeiro a defender essas linhas vermelhas de governação). Mas impor linhas vermelhas a um partido, sem mais, é um ataque aos eleitores desse partido. Os eleitores são a fonte de legitimidade de um regime democrático. Por isso, as linhas vermelhas em relação a partidos democráticos são anti-democráticas. Pelo menos, para quem leva os valores democráticos a sério.

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Mas os ataques aos partidos populistas rapidamente acabaram na diabolização e mesmo na desumanização dos seus líderes. Quando se passa a vida a chamar partidos de “fascistas” ou a comparar os seus líderes a Hitler, já se abandonou o discurso democrático e já se entrou no campo da violência política. Apesar de considerar o partido comunista e o Bloco perigosos para a democracia portuguesa, nunca comparei os seus líderes a Stalin, a Mao, ou mesmo a Chavez. Seria absurdo.

A desumanização dos líderes dos partidos populistas, como acontece nos Estados Unidos com Trump e em França com Le Pen, é um convite à violência contra esses políticos. Ninguém deve ficar admirado com o recente atentado contra Trump. Os seus adversários mais radicais usam um discurso violento contra ele. Dos discursos violentos aos actos violentos, a distância pode ser curta.

No meio de tudo isto, há finalmente a impressão de que se trata, no essencial, de uma questão de poder. Os partidos convencionais dos regimes democráticos europeus não querem partilhar o seu poder com partidos novos. Vejamos o caso de França. O partido socialista e a coligação de Macron sabem perfeitamente que a França Insubmissa é mais radical, mais anti-europeia e mais pró-Rússia do que o Ressemblement Nacional. Só se uniram a Melenchon na segunda volta das eleições porque o partido de Le Pen era a maior ameaça ao seu poder. Não foi por questões ideológicas. Como se vê agora, com esses partidos a serem incapazes de se entender, com Attal a continuar como PM à frente de um governo de gestão, a “frente republicana” foi uma fraude política anti-democrática. Não se defende a democracia enganando e fazendo chantagem sobre os eleitores.

O combate aos partidos populistas deve ser feito no campo democrático através de argumentos e propostas. O problema é que os partidos convencionais sabem muito bem que o crescimento dos partidos populistas é a consequência de erros que cometeram durante muitos anos, para os quais foram avisados, avisos que resolveram ignorar, porque era mais cómodo e ajudava a continuar no poder.

Pior do que isso, os partidos convencionais, aparentemente, não acreditam na sua capacidade de reconquistar votos e derrotar os partidos democráticos através de argumentos políticos e ideológicos. Resta-lhes as chantagens, as linhas vermelhas, e a diabolização.

Em nome da defesa da democracia, resolveram na verdade defender o seu poder através de argumentos e comportamentos anti-democráticos. Isso é que nos deve preocupar. E muito.