O país deteve-se nas últimas semanas a debater as demissões de Alexandra Reis, a secretária de estado que saiu da TAP com 500 mil euros de indemnização. Mas, provavelmente, deveríamos também deter-nos em como Alexandra Reis chegou onde chegou e que começou, não com uma nomeação política, mas com uma contração de trabalho.

Antes de ter sido nomeada pelo ministro das Infra-estruturas como administradora da TAP ou presidente da NAV e antes de ter sido nomeada secretária de estado pelo ministro das Finanças, Alexandra Reis foi contratada para ser diretora na TAP, quando a TAP era semi-privada.

Pode admitir-se que a cascata de nomeações e demissões que se seguiram apenas cumpriu o “princípio de Peter” que tanto tem levado a altos cargos públicos vários “boys” e “girls” no país, não necessariamente apenas neste Governo e não necessariamente apenas do PS. Mas para percebermos melhor, teríamos de ir atrás, à sua contratação como funcionária da TAP.

É que a TAP, mesmo quando Neeleman era supostamente dono, nunca deixou de ser um feudo do Estado, sobretudo desde que António Costa, calçado pelo BE e pelo PCP, resolveu em 2016 reverter parte da privatização. Nessa altura, o Estado ficou com 50% do capital, com direito a nomear pessoas, com responsabilidades sobre a dívida, mas apenas com 5% dos direitos económicos! Ou seja, a haver lucros, eles iriam 95% para os acionistas privados. E foi criado um novo Conselho, para onde foram nomeados inúmeros conselheiros, invariavelmente oriundos de mais ou menos ricas carreiras políticas. E Alexandra Reis foi então promovida a administradora.

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Como eu próprio denuncie num livro em 2016, de autoria partilhada com Rui Moreira e título “TAP Caixa Negra”, onde se antevia muito daquilo que hoje está evidente, a TAP sofreu, nos anos mais próximos, um processo de retrocesso em matéria de transparência, a que se juntam outros conhecidos e caros problemas. E como lá então escrevi, se era possível, até Neeleman, sabermos as remunerações dos órgãos sociais, a partir da privatização, tais dados obrigatórios por lei em empresas públicas, deixaram de ser publicados nos relatórios da empresa.

Ora, primeiro parcialmente, depois inteiramente, a TAP regressou às mãos do Estado, mas esses e outros dados de transparência, nunca mais foram publicados. E hoje não sabemos quanto ganham os membros dos vários conselhos e em quanto são indemnizados, caso saiam.

E é esta ausência de transparência, introduzida na última década na TAP, que nos impediu de saber o que se tinha passado com Alexandra Reis na altura que ocorreu o seu despedimento e que só agora conhecemos, porque ela chegou a secretária de estado.

Portanto, temos hoje uma empresa completamente detida pelo Estado, que é um sorvedouro de dinheiros públicos, mas da qual não sabemos quase nada.

Questionada pela comunicação social nos últimos dias sobre outras eventuais indemnizações pagas a administradores, a TAP negou a informação. Apesar desta ser obrigatoriamente pública em todas as empresas do Estado, mesmo aquelas que não receberam 3,9 mil milhões de euros em pouco mais de um ano.

Sabemos, contudo, uma coisa. Mesmo quando Neeleman ainda geria a empresa, mas o Estado já lá metia parcialmente a pata, eram muitos os “administradores” não executivos e membros de conselhos que lá iam buscar mordomias e altos vencimentos, que acumulavam com outros vencimentos e mordomias, às vezes também públicos ou financiados pelo Estado. É ver a composição dos vários órgãos, quem eram e são as pessoas e quais as suas filiações partidárias e as suas histórias de vida. Só não sabemos quantos milhares de euros recebiam para participarem numa reunião meia-dúzia de vezes por ano.

E foi nesse tempo da ainda TAP “privada” que Alexandra Reis entrou para funcionária da empresa. Certamente, num processo de recrutamento onde muitos outros concorrentes se candidataram… ou não? Seria muito interessante perceber como isso aconteceu, ao mesmo tempo que a sua amiga e esposa de Fernando Medina chegava a advogada da mesma companhia.

Porque é que esta é a verdadeira questão? É que as nomeações políticas, como um adjunto ou administrador, são, apesar de tudo, políticas e de confiança. Podem estar erradas, mas são de confiança e quem nomeia acaba a pagar um preço público se for asneira. Como acaba de pagar Medina. Seja a amiga ou a sogra, isso já nem me interessa muito. É uma nomeação e é por confiança política, pelo que a filiação ou até a afinidade pessoal, não me chocam, porque é transparente.

Já um emprego é algo diferente. E a TAP, já há muitos anos que parece – e este caso apenas vem evidenciar – ser uma espécie de nova PT, empresa onde se empregava uma clientela política, não apenas para controlar a estruturamos também decisões como a tentativa de comprar a TVI a de comprar obrigações do BES e que provocou a sua pré-falência. Tal como a TAP quando contratou Alexandra Reis, essa PT também já era semi-privada quando tudo isso ocorreu. Mas também ali o Estado exercia o seu poder controleiro e se sujeitou a perder milhões.

A Constituição Portuguesa e a Lei do Trabalho são muito claras quanto à impossibilidade de se escolherem ou deixarem de escolher pessoas para empregos pelos seus credos, cor de pele, convicções políticas, géneros ou qualquer outra característica que não seja de estrita competência. Mas estou certo que uma análise cuidada ao quadro de pessoal da TAP, sobretudo ao contratado nos últimos anos, mostrará que existem brutais coincidências em cargos diretivos.

Se isto se aplica relativamente à larga escala do Estado e da esfera de controlo do Governo, apesar de tudo alvo de algum escrutínio, imagine-se nas autarquias.

Há dias, a propósito do que escrevi sobre o Cinema Batalha, detido por uma empresa 100% Municipal e controlada pela Câmara do Porto, onde denunciei a forma como a programação parece ter sido tomada pela “esquerda-caviar”, fizeram-me chegar um anúncio de emprego.

O anúncio foi publicado pela Ágora, empresa municipal de cultura e desporto da Câmara do Porto, que recrutava funcionários para o tal cinema público. Na secção sobre os requisitos dos candidatos, incentivava-se candidaturas de pessoas que pertençam a “minorias sub-representadas…”.

Ora, não sei bem o que uma empresa de capitais públicos considera ser uma minoria sub-representada. Estaremos a falar de homossexuais? Bissexuais? Hermafroditas? Animalistas? Vegetarianos? Doentes com défice cognitivo? Pretos, amarelos ou vermelhos? Islâmicos? Ou estamos a falar de pessoas com certas convicções ou filiações políticas? Conta ser do Partido Chega? É seguramente uma minoria sub-representada no setor cultural do Porto.

Eu por exemplo, sendo um pouco coxo, posso considerar que pertenço a uma minoria sub-representada no Cinema Batalha, pois não vejo lá ninguém a coxear. Terei mais hipóteses de ser contratado para programador por esse facto? Mas se considerarmos que não sou suficientemente coxo, então pertenço à horrível maioria descriminada e sem direito a emprego? É isso? É que quando se incentiva um grupo, está a desencorajar-se os restantes. Ou não é assim?

Num país que impede uma empresa privada de colocar num anúncio que se pretende contratar “uma empregada” ou um “funcionário” para a construção civil, obrigando ao ridículo “M/F”, a Câmara do Porto está a admitir que alguém que se candidata a um emprego público no Cinema Batalha faça uma avaliação sobre se pertence ou não a uma minoria e a admitir que uma característica social faça parte dos requisitos para um emprego.

Bem pior do que isso, está a admitir que na entrevista prevista no anúncio, os candidatos sejam desafiados a confessar credos, etnias, identidade de género, origem racial… Ou estamos a falar, mais uma vez, de filiação ou convicções políticas? A avaliar pela linha de programação, deve ser um pouco de tudo isso.

Seja o que for, a referência é ilegal e revela que não é apenas através de legítimas nomeações por confiança política que se enxameia a máquina do Estado e as Municipais bem como as empresas dependentes, de camaradas, que depois, por osmose ou “princípio de Peter”, ascendem infinitamente.

E aqui chegamos, a um país de leis e Constituição garantistas e protetoras dos direitos humanos, da igualdade e da liberdade, mas onde quem manda condiciona, restringe, controla e passa cada vez mais ao lado da Lei, da decência e da honra com que enche a boca.

PS: relativamente às minhas últimas crónicas, foram escritos muitos comentários, quase sempre abonatórios, mas muitos começam com “a ser verdade é grave”. No futuro, podem dispensar essa referência, pois nenhuma das informações que alguma vez usei foi desmentida e todas são verdadeiras. Mais importante, são públicas e consultáveis, como também o anúncio a que aqui me refiro. Sobre a TAP, é muito mais o que não se sabe do que aquilo que se sabe. Cabe ao quarto poder continuar a exigir respostas.