Na última semana, apesar de meio país estar entre a praia e a piscina a aproveitar o merecido descanso, o país político debateu a proposta do PSD de baixar os impostos. Antes de entrar na discussão da substância da proposta, faço dois pontos prévios. Pela primeira vez durante o seu consulado enquanto líder do PSD, Montenegro conseguiu de forma muito clara marcar a agenda mediática e política com uma proposta forte sobre um tema que preocupa uma fatia do eleitorado. Este ponto não é de somenos. Importa, acima de tudo, que se torne sistemático e que o partido consiga apresentar propostas nas mais variadas áreas para construir uma alternativa real e credível à situação de anomia política a que o PS conduziu o país. Por outro lado, sob pena de perder popularidade com os leitores do Observador, neste caso em específico, considero a proposta do PSD irrealista e um erro político que facilita a caricatura da direita como um grupo de liberais empedernidos com poucas preocupações sociais.
Na posição de maior partido da oposição, o PSD tem um grande objetivo ao longo dos próximos anos: aumentar a sua base eleitoral de modo a ganhar as eleições e estar em condições de formar governo. No entanto, tal como apresentada pelo PSD, a proposta de mexida nos impostos não ajudará grandemente o partido a melhorar o seu desempenho eleitoral. Tal como mostrou Susana Peralta no seu artigo no Público de sexta-feira passada, cerca de 70% dos Portugueses são abrangidos de forma muito tímida pela proposta do PSD. Os maiores beneficiários da proposta encontram-se no quartil superior da distribuição de rendimento (70-95%). Posto de maneira simples, infelizmente, a grande maioria dos eleitores são demasiado pobres e ganham tão pouco que não seriam praticamente beneficiados pela proposta do PSD.
Do ponto anterior decorre o óbvio: a proposta de redução do IRS é um tema eleitoral de nicho e, assim sendo, tem pouco potencial eleitoral para um partido que, pela natureza dos seus objetivos políticos, tem de ser interclassista. Apenas uma coligação eleitoral interclassista e nacionalizada conseguirá fazer novamente um partido de poder capaz de concorrer com o PS. Na ciência política pensamos nos temas eleitorais de nicho como matérias sobre as quais uma fatia relativamente pequena do eleitorado tem preferências muito intensas. O facto de Portugal ser um país genericamente pobre faz com que a maioria da receita fiscal do Estado seja obtida através da colecta de IRS a um grupo muito pequeno de famílias, as quais, obviamente, têm uma forte preferência pela redução de impostos. Os números mais recentes da Autoridade Tributária mostram que os três escalões superiores do IRS correspondem a cerca de 59% da receita fiscal, pago, segundo a mesma fonte, por cerca de 8% dos contribuintes. Temos, pois, um número muito limitado de eleitores encarregados de pagar grande parte da receita fiscal em sede de IRS. Não por acaso, desde a sua fundação, o tema dos impostos tem sido uma bandeira eleitoral da Iniciativa Liberal. No contexto de competição eleitoral intensa à direita, a IL decidiu, de forma inteligente, politizar o tema dos impostos, apresentando-se como o partido dono do tema. Obviamente que a proposta da IL para a reforma fiscal é substancialmente mais contundente do que a do PSD. O potencial eleitoral da IL também é constrangido pela existência de um número relativamente limitado de eleitores para os quais a descida de imposto está em primeiro lugar. No entanto, os objetivos políticos da IL são diferentes do PSD, o que torna a estratégia de politizar os impostos uma ideia eficaz.
Com esta proposta, o PSD parece querer competir com a IL, que, não por acaso, pareceu ficar desconfortável com o aparecimento desta proposta. As elites do PSD parecem confundir o país real com o país da opinião publicada que, na sua maioria, é feito por pessoas que pertencem, precisamente, à classe social que seria mais diretamente beneficiada por esta proposta. Eu próprio, caso ainda vivesse em Portugal, seria beneficiado por esta proposta. Pela sua afluência e influência social, os eleitores que têm preferências mais intensas em matéria de impostos conseguem fazer a sua voz ser mais ouvida na comunicação social, fazendo parecer que a matéria do IRS tem uma importância mais relevante do que aquilo que tem na vida do eleitor mediano.
Por tudo isto, na minha opinião, esta estratégia eleitoral é perdedora. Para conseguir competir diretamente com o PS, o PSD tem, acima de tudo, de focar-se em temas relevantes para o eleitor mediano, nomeadamente, a habitação, a educação, a saúde ou a crise demográfica. Estes são os temas com os quais compete diretamente com o PS e que, em última análise, decidirão as eleições. Pensando na direita enquanto bloco eleitoral, o PSD pode deixar o tema fiscal para ser tratado pela IL que, naturalmente, num cenário pós-eleitoral aliar-se-á ao partido. Assim sendo, o PSD não terá o ónus de ser apodado de partido liberal. Independentemente de o ser ou não (e não o é, obviamente), a retórica anti-liberal tem ainda muita força em Portugal e assusta muitos eleitores. O PSD precisa de defender-se destes rótulos e pensar numa estratégia política ganhadora.