1 Vamos começar pelo óbvio porque às vezes o nosso país é muito estranho. A detenção de João Rendeiro na África do Sul foi um grande dia para a Polícia Judiciária (PJ) liderada por Luís Neves e para a Justiça. Porque foi apanhado um foragido à Justiça que, como bom fanfarrão, julgava que nunca regressaria a Portugal.
Rendeiro brincou com os lesados do Banco Privado Português (BPP), gozou com a Justiça e riu-se como um palhaço de todos os portugueses quando deu à sola para Londres, pensando que nunca mais regressaria. O seu gozo acabou ao fim de pouco mais de 80 dias no único local possível: na prisão.
Como conheço o profissionalismo da PJ, e tenho uma noção da eficiência da cooperação internacional e dos meios tecnológicos que permitem monitorizar um suspeito, sempre tive a noção de que Rendeiro iria ser apanhado. Muito ouvi em sentido contrário, como neste “Contra-Corrente” do José Manuel Fernandes. Temos de perder, de uma vez para sempre, a mentalidade miserabilista de pensarmos que somos uma espécie de república das bananas na União Europeia.
Acresce a tudo isso o perfil de novo rico de João Rendeiro — que nunca, em hipótese alguma, se iria refugiar num daqueles micro-Estados sem o mínimo acesso aos bens de consumo de que o ex-banqueiro tanto gosta.
Veremos agora se esta segunda-feira fica em prisão preventiva e se o processo de extradição terá sucesso e será razoavelmente célere.
2 Houve muitas razões para criticar o nosso sistema judicial na forma como permitiu a fuga de João Rendeiro — e já lá vou às soluções — mas a forma como a PJ trabalhou demonstra que o dano foi consideravelmente reparado e que há razões para confiar na nossa Justiça.
Há também muitas razões para criticarmos a forma como o poder político não reforma a Justiça para que esta seja mais eficiente e ágil — tudo em nome de uma (falsa) superioridade do Estado de Direito nacional face aos seus congéneres europeus. Nesta coluna tenho feito muitas dessas críticas, apresentando igualmente soluções.
Aqui ficam mais duas ideias:
- O nosso sistema judicial tem de ser mais proativo, acompanhando uma tendência europeia e mundial. João Rendeiro, por exemplo, conseguiu fugir porque a Justiça não tem sinais de alerta quando há indícios de perigo de fuga — e no caso de Rendeiro houve vários. Mas também porque a fase de recursos é tão burocrática que ninguém está a atento ao que, por exemplo, Rendeiro fez: das duas últimas vezes que viajou para o estrangeiro deu a morada de instalações consulares e diplomática;
- Refletir sobre a necessidade de começar a executar as penas após decisão da segunda instância, mesmo se houver lugar a recursos para o Supremo Tribunal de Justiça e para o Tribunal Constitucional.
3 “É não conhecer o que é uma investigação criminal, as dificuldades que implica quando atravessa várias fronteiras de vários países. É não ter a noção de como isso implica tantas diligências, tantos processos complicados (…)”. Estas palavras são do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e são dirigidas às insinuações de Rui Rio de que a detenção de Rendeiro se deveu a eleitoralismo.
Na prática, Marcelo Rebelo de Sousa está a chamar ignorante a Rui Rio. “É não ter noção” diz tudo sobre o preconceito e a insensatez que Rio revela sempre que fala da Justiça. Quanto estava no Porto entendia que os magistrados judiciários estavam ao serviço do FC Porto e que os do Ministério Público não faziam o que lhes competia: fazer o que Rui Rio achava como certo.
Ter um candidato a primeiro-ministro que gosta de ser ignorante — e logo sobre uma área estrutural para a democracia como é a Justiça — é algo preocupante. Pior: ter um candidato a primeiro-ministro que num momento critica os “julgamentos de tabacaria” que a comunicação social promoverá e que, noutro momento, tenta de forma irresponsável destruir a reputação da PJ ao insinuar que o diretor Luís Neves andou a protelar a detenção de João Rendeiro por razões políticas do PS — é algo que devia acionar todas as luzes vermelhas.
4 Rui Rio é o verdadeiro dono dessa tabacaria — que até podia ter arguidos como João Rendeiro, José Sócrates e Manuel Pinho ou até o ex-procurador-geral Fernando Pinto Monteiro como principais clientes, com direito a charutos e garrafa de conhaque reservada.
A narrativa dos “julgamentos de tabacaria” advém do grave problema que Rio tem com o escrutínio jornalístico sobre a sua atividade política mas também com o acompanhamento que os media fazem dos processos judicias que envolvem titulares de cargos políticos. Como Francisco Teixeira da Mota já explicou aqui, “é impossível em democracia impedir a comunicação social de dar notícias sobre processos judiciais”.
Pior: como bom dono de uma tabacaria, Rui Rio gosta de interagir com os clientes. Tanto é assim que aproveitou a acusação do Ministério Público contra o ex-ministro Azeredo Lopes a propósito do roubo de armas no paiol de Tancos para atacar politicamente António Costa, como censurou Manuel Pinho pouco depois de o Observador ter noticiado o pagamento de uma alegada avença ao ex-ministro da Economia por parte do Grupo Espírito Santo. A contradição é absoluta!
Mais do que Rui Rio preferir atacar a PJ através do Twitter — imitando de forma barata e baixa Donald Trump —, o que devia preocupar muito a sociedade civil é a forma transparente como Rio assume que quer controlar a Justiça e a comunicação social.
Por muito que tenha consciência de que os eleitores poderão votar em Rio para castigar António Costa — desvalorizando esse perfil autoritário —, o meu papel assenta em informar para que os eleitores tomem as suas melhores decisões.
E com uma promessa: cá estarei para escrutinar o primeiro-ministro Rui Rio, caso essa seja a vontade dos eleitores.
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