1 Vozes amigas dizem-me que tem havido na lusitana comunicação social um intenso debate sobre o fantástico crescimento económico que terá existido numa determinada década da cinquentenária (anti-capitalista, antidemocrática e terceiro-mundista) ditadura de Salazar.

Receio ter de dizer, com assumido snobismo liberal-euro-atlantista, que acompanho apenas fugazmente os (sempre muito exaltados) debates lusitanos. Mas, a ser verdade o que vozes amigas me dizem sobre este súbito interesse acerca da ditadura de Salazar, receio ter de dizer que esse interesse é simplesmente terceiro-mundista. A patética ditadura de Salazar, bem como a patética república jacobina que a precedeu, foram expressão de um deplorável excepcionalismo ibérico (em Espanha foi ainda pior, com uma deplorável guerra civil entre primitivos fanatismos rivais).

2 Como possível alternativa —  snobe, liberal-democrática e civilizada — ao pobre saudosismo salazarista, atrevo-me a sugerir a recordação de uma efeméride que — curiosamente ou talvez também sintomaticamente — passou despercebida entre os nossos muito exaltados debates lusitanos: há 34 anos, a 12 de Junho de 1987, o conservador Presidente Ronald Reagan discursou junto ao Muro de Berlim e declarou: “Mr. Gorbatchev, tear down this wall!”

Nos dias seguintes, na imprensa ocidental, intelectuais de uma certa ‘esquerda’ e de uma certa ‘direita’, anti-snobes e anti-capitalistas, apressaram-se a criticar Ronald Reagan. De ambos os lados foi dito que Reagan ignorava o “realismo” da política internacional. À esquerda, essa alegada ignorância foi atribuída aos “desígnios imperialistas do capitalismo americano”. Entre uma certa direita terceiro-mundista, os mesmos “desígnios imperialistas do capitalismo americano” foram citados, sobretudo como ameaça a patéticas ditaduras, militares e colectivistas, sul-americanas. (Em terras lusitanas, a propósito, marginais da extrema-esquerda e da extrema-direita acusavam os liberais-democratas Mário Soares e Cavaco Silva , bem como a memória de Sá Carneiro, de serem “os homens dos americanos”).

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3 Tudo isso foi muito interessante, mas o certo é que, pouco mais de dois anos depois, a 9 de Novembro de 1989, o Muro de Berlim caía aos olhos do mundo. E tinha início uma vasta transição pacífica para a democracia e para o capitalismo nos países da Europa Central e de Leste, até então sob a feroz ditadura soviética,  comunista e anti-capitalista. Foi na sequência da queda do Muro que os países da Europa Central e de Leste viriam a integrar a democrática União Europeia.

Alguma relação entre o discurso de Reagan em 1987 e a queda do Muro em 1989 é hoje genericamente — ainda que relutantemente — aceite. Mas raramente é recordado que o discurso de Reagan em 1987 foi genuinamente  expressão de uma opção política de fundo. Essa opção política de fundo — em defesa da democracia e do capitalismo no mundo — redesenhou as clivagens políticas na América: sob a liderança conservadora de Ronald Reagan, emergiu uma ampla coligação bi-partidária, entre Republicanos e Democratas, em defesa da causa democrática liberal à escala mundial.

4 Esta opção estratégica de fundo tinha sido memoravelmente apresentada por Ronald Reagan no Parlamento britânico, na presença de Margaret Thatcher, em 8 de Junho de 1982. Aí foi anunciada a criação do National Endowment for Democracy (NED) — uma instituição independente, com apoio bi-partidário no Senado e na Câmara dos Representantes dos EUA, dedicada ao apoio e promoção dos ideais demo-liberais no mundo.

Sob a direcção fundadora de Carl Gershman, o NED declarou desde o início o seu anti-comunismo. Mas sublinhou que não era apenas fervorosamente anti-comunista: era também fervorosamente contra todo o tipo de ditaduras e fervorosamente a favor da causa liberal-democrática — o que incluía a defesa das economias de mercado e do estado limitado pela lei, vulgo ‘capitalismo’.

5 Carl Gershman acaba de anunciar no NED a sua “passagem à Reserva”, após quase 40 anos. Já confirmou a sua presença na próxima 29ª edição do Estoril Political Forum, a 18-20 do próximo mês de Outubro no (sempre muito anglófilo) Estoril Palace Hotel. Aí vamos recordar e debater a herança liberal democrática de Ronald Reagan, Margaret Thatcher, e… do muito snobe Winston Churchill — bem como de Charles De Gaulle e Konrad Adenauer. O tema global será: “On the 80th Anniversary of the Atlantic Charter: Structuring a New Alliance of Democracies”.

Receio ter de recordar que, ao longo das últimas 28 edições do Estoril Political Forum (o maior encontro anual de Estudos Políticos entre nós), nunca perdemos tempo a discutir as taxas de crescimento da patética ditadura salazarista ou da patética    I república jacobina. Poderá ser dito que somos snobes defensores do indomável apelo da democracia liberal. Indeed we are.