Se havia dúvidas que a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022 acabou com a ordem europeia do pós-guerra, estas dissiparam-se com as imagens do êxodo massivo de arménios do Nagorno-Karabakh pela estrada de montanha que liga o enclave à Arménia. A vitória que as forças Azeris impuseram aos líderes arménios – resultando num acordo de rendição após apenas 24 horas de combates – mostra que a fixação das fronteiras pela força se tornou uma tendência nos conflitos sobre as fronteiras da Europa.
Mais do que um mero precedente, a guerra da Ucrânia provocou, em vários sentidos, o desfecho violento deste conflito amargamente contestado.
Primeiro, com a atenção focada na Ucrânia, Moscovo abandonou o seu papel de garante da ordem regional no Cáucaso do Sul e deu, assim, luz verde à invasão azeri. A suposta proteção das forças de manutenção da paz russas no enclave arménio foi inútil. Em vez disso, a Rússia mediou um acordo segundo o qual a população local concordou em desarmar totalmente as suas próprias “forças de defesa”, que são constituídas por vários milhares de homens, e em iniciar conversações sobre a sua “reintegração” total no Azerbaijão. O abandono do apoio russo aos arménios foi crucial. Moscovo interveio três vezes no conflito desde 1988, a última das quais em 2020. Desta vez, a Rússia, diminuída e desatenta, mudou as suas prioridades. O Azerbaijão, a principal rota terrestre da Rússia para o sul, tornou-se um parceiro mais importante do que a Arménia, o seu tradicional aliado cristão na região.
Segundo, o apoio militar turco e israelita ao Azerbaijão permitiu a superioridade avassaladora do exército azeri. A guerra da Ucrânia possibilitou a Erdogan mais liberdade no seu apoio a Baku e desimpediu o caminho da realização do seu projeto de neo-otomanismo no Cáucaso. A Arménia, o entrave à aproximação entre os dois estados Muçulmanos, que se proclamam como “dois Estados para um só povo”, é a vítima mais óbvia do processo.
Por fim, também os Europeus enfraqueceram a sua posição no Cáucaso desde fevereiro de 2022. Na procura de fontes de combustíveis fósseis alternativos às da Rússia, aproximaram-se do governo de Ilham Aliyev, perdendo a pouca influência que tinham na contenção de Baku. Em Fevereiro, Ursula Von der Leyen apelidou o presidente Azeri de “parceiro confiável”. Com o alargamento dos laços energéticos com a UE, o Azerbaijão viu uma oportunidade de alterar um status quo político que há muito considerava inaceitável.
Tornou-se esta semana evidente no Cáucaso que a luta dos ucranianos contra a invasão russa é também pela ordem internacional liberal. O fim da ordem europeia deixa os Arménios perante vários cenários, todos eles negros. O facto de que mais de 50.000 dos cerca de 120.000 arménios locais do Karabakh já fugiram para a Arménia esta semana demonstra que a limpeza étnica por expulsão é já uma realidade. O espectro de um segundo genocídio arménio paira. Por fim, receia-se que o Azerbaijão, apoiado pela Turquia, continue a fazer pressão sobre a Arménia para a criação do “Corredor de Zangezur”, um corredor de transporte que ligaria o Nakhchivan ao Azerbaijão continental.
Torna-se, pois, claro, que nas fronteiras da Europa as regras da ordem internacional são coisa do passado. A Ucrânia criou o precedente, e as condições, para o fim do Nagorno-Karaback.