Habituei-me a olhar para Nuno Morais Sarmento como uma das melhores cabeças políticas do PSD, com um percurso longo e de sucesso no partido. Revelou-se na Nova Esperança, foi um dos principais ministros de Durão Barroso e de Santana Lopes, sendo agora o mandatário da campanha de Rui Rio. De facto, é o número dois de Rio. Para um eleitor de centro direita, a entrevista de uma figura central de uma das candidaturas à liderança do PSD é politicamente importante. Nesse sentido, fiquei espantado quando li, numa entrevista de Morais Sarmento ao Sol, a seguinte afirmação: “Para ficar onde estamos, eu voto Costa. Se é para gerir com habilidade política, o Costa é bom, é um político de primeira categoria. Poucos fariam o que ele conseguiu fazer nestes dois anos.” A reação imediata foi de estupefação. Como é possível um elemento destacado da candidatura de Rio à liderança do PSD admitir que pode votar em António Costa? Há três explicações possíveis.

Em primeiro lugar, a confissão de Morais Sarmento pode indicar uma certa desilusão com Rui Rio. Morais Sarmento quer um candidato de ruptura (embora nunca explique que tipo de ruptura pretende) mas Rio tem estado aquém da sua ambição. Por isso Sarmento resolveu dramatizar. Se for esta a interpretação correta, não deixa de ser preocupante que o número dois de Rio já esteja desiludido com o seu candidato semanas depois do início da luta pela liderança. Não parece ser uma boa maneira de conquistar votos para Rio. Se o próprio Morais Sarmento já está desiludido com Rui Rio, o que dirão os outros militantes do PSD?

Há uma segunda leitura possível. No resto da entrevista, Morais Sarmento é muito claro sobre a ausência de propostas de reforma por parte da Santana Lopes. Com Santana, segundo Sarmento, ficaria tudo na mesma. Nesse caso, Sarmento “vota Costa.” Sarmento parece assim sugerir que caso Rio perca as eleições para a liderança do PSD, ele votará em António Costa nas eleições legislativas. Espero que esta leitura esteja errada, porque seria demasiado grave. Não sei mesmo se algum militante do PSD, incluindo os apoiantes de Rui Rio, compreenderiam esta atitude. A gravidade desta posição exige uma clarificação por parte da candidatura de Rui Rio. Sarmento é o seu mandatário.

Há ainda uma terceira interpretação. Morais Sarmento quis elogiar a capacidade política do PM. Sarmento é um político profissional, muito experiente e a desempenhar neste momento um papel central na disputa eleitoral no PSD. Não faz declarações por acaso. Classificando Costa como “um político de primeira categoria”, Sarmento está a preparar as condições para um futuro bloco central com o PS, no caso de Rui Rio chegar à liderança. Ninguém tenha dúvidas sobre isso. Soluções como um bloco central, sobretudo com Costa a liderar o PS, têm que ser preparadas com muito cuidado e inteligência. O bloco central deverá surgir como a última solução para garantir a governabilidade do país. Veja-se o que se passa na Alemanha. Ninguém queria a grande coligação, mas a CDU e o SPD já estão discuti-la.

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Em Portugal poderá acontecer o mesmo. Claro que ninguém vai defender o bloco central à partida. Idealmente, há sempre soluções melhores. Mas hoje é evidente que a candidatura de Rio elogia as capacidades políticas de Costa e o seu desempenho dos últimos dois anos. Parece assim cada vez mais claro que um PSD liderado por Rio ambicionará a ser o número dois do PS e substituir o PCP e o BE numa espécie de geringonça do centro. Mais uma vez, compete aos militantes do PSD decidirem se querem uma liderança que se satisfaz com a condição de parceiro menor de Costa.

Gostaria de referir ainda dois pontos finais. O elogio ao desempenho político de António Costa durante os últimos dois anos é de uma enorme deselegância para a liderança de Passos Coelho e para o esforço enorme que PSD fez entre 2011 e 2015 para retirar Portugal da falência.

Por fim, Morais Sarmento não faz uma única proposta sobre as reformas e as mudanças que o país precisa, a não ser umas vagas e confusas observações sobre fins de ciclos e novos modelos, colocando Trump, Macron, o Podemos e o Syriza no mesmo saco. Nada sobre crescimento económico, nada sobre reformas fiscais, nada sobre políticas sociais, nada sobre a coesão territorial, nada sobre a Europa ou política externa, nada sobre a qualidade da democracia nacional ou o sistema político, a não ser a observação bizarra de que a Constituição de 1976 tem a mesma idade que que tinha a Constituição de 1933 em 1974. Muitos na direita portuguesa criticam aspectos da nossa Constituição. Mas a comparação entre a Constituição de um regime autoritário como o Estado Novo e a Constituição de uma democracia seria, para mim, impensável.

Com a candidatura de Rio, deixou de ser impossível comparar ditaduras com democracias. Um ponto parece certo. Rui Rio nunca poderá acusar alguém no PSD de estar à sua direita. Aliás, com este discurso e estas comparações, ninguém na política portuguesa está à direita de Rio e de Sarmento.

Muita gente afirma que o PSD é um partido de lutas internas permanentes. Mas nunca tinha visto o número dois de uma candidatura à liderança do partido assumir que poderá votar no PS. O que pensam os militantes do PSD sobre tudo isto?