A decisão de permitir maior mobilidade no Natal, apesar de a maioria dos especialistas ter recomendado que se fechasse, embora irracional, é compreensível. A maioria não apoiava as restrições e a reacção seria muito negativa, se não mesmo de desobediência.
O que já não é possível compreender, e corresponde a uma enorme irresponsabilidade do Governo, é não ter actuado imediatamente após o Natal ou, na pior das hipóteses, a 6 de Janeiro, quando registámos mais de 10 mil pessoas infestadas, como salienta o matemático do Instituto Superior Técnico Henrique Silveira. Nos modelos que apresenta, teríamos evitado 6500 a 7 mil óbitos. Neste momento, para reduzir o número de pessoas em cuidados intensivos para valores abaixo dos 600 teremos de estar confinados dois meses.
Percebe-se hoje que os cientistas recomendaram um confinamento estrito, incluindo o encerramento das escolas. Defender que as escolas não são lugares de contágio só pode ser uma manifestação de desejo. Claro que se se entender como “escola” o momento em que os alunos estão dentro da sala de aula, podemos considerar que o risco de contágio é baixo. Mas a “escola” é muito mais do que isso, é o tempo de se deslocarem e o tempo dos intervalos, este especialmente perigoso.
A decisão do encerramento das escolas fica aliás marcada para a história, como aquela em que um ministro da Educação fez declarações contra a Educação, muito bem caricaturado por Ricardo Araújo Pereira. Tiago Brandão Rodrigues corre o sério risco de ser o pior ministro da Educação da democracia. Podia suspender o ano lectivo sem proibir o apoio aos alunos das escolas, públicas ou privadas, que quisessem ou pudessem fazê-lo. Mas preferiu o autoritarismo com um pretenso objectivo de combate às desigualdades que, obviamente, não é assim que se reduzem.
O Governo acabou por decidir com mais de duas semanas de atraso, aquilo que poderia ter feito logo no início do ano, poupando muitas mortes e o estado em que está todo o sistema de saúde, com equipamentos esgotados e recursos humanos em colapso. Mais grave ainda foi termos sido confrontados com a total e absoluta impreparação para a vaga do inverno, mesmo se ela não fosse tão grave como está a ser, por responsabilidade do Governo.
As consequências económicas deste atraso das decisões acabarão por ser muito mais graves do que seriam se tivéssemos confinado estritamente logo no início de Janeiro. Neste momento, para conseguir controlar a pandemia – levando até em conta que se mantém a falta de preparação, designadamente em matéria de rastreamento de contactos – poderemos precisar de ter pelo menos 2 meses de confinamento estrito. Tal significa chegar quase a finais de Março sem que muitos negócios, fundamentalmente familiares, possam reabrir as portas.
O primeiro trimestre está assim economicamente perdido. Vamos ter uma nova quebra na actividade económica, entrando naquilo que os economistas designam como recessão técnica: dois trimestres consecutivos de quebra na produção.
Olhando para as previsões mais recentes, a Universidade Católica, na sequência do novo confinamento, aponta para uma quebra da produção de 2% em 2021. Num quadro de descontrolo da pandemia, podemos viver um ano em que até o cenário mais severo traçado pelo Banco de Portugal, que aponta para um crescimento de 1,3%, se pode revelar optimista.
Estamos perante a típica situação de o barato sair caro, se foi a poupança de recursos e a tentativa de “salvar” a economia que ditou este atraso na decisão de avançar para um confinamento estrito. Vamos estar mais tempo confinados, com efeitos mais graves na economia e nas finanças públicas.
Mais grave ainda é se não conseguimos recuperar a nossa credibilidade, como país seguro, antes do Verão. De uma semana para outra passamos a ser os piores do mundo em casos e em mortes como se pode ver aqui. Apenas na vacinação estamos agora acima de países como a França e a Alemanha. Temos, rapidamente, de conseguir sair dessa posição se queremos salvar a economia no segundo semestre do ano. Ou estaremos perante uma situação dramática para o país.
Juntando a tudo isto temos a lentidão dos processos europeus, da vacinação às políticas de apoio às economias. A União Europeia está a atrasar-se na vacinação. As últimas notícias sobre atrasos na produção da vacina AstraZeneca/Oxford colocam uma pressão adicional sobre os países europeus já que foi nesta marca que a União Europeia mais apostou. Já quanto aos apoios anunciados para a recuperação da economia, com alguma sorte teremos medidas no terreno no segundo semestre. Corremos o risco de ver os EUA, depois de uma eleição, a aplicarem o seu plano de estímulos de 1,9 biliões de dólares, antes da Europa.
Com todo este cenário, podemos dar como perdido o primeiro trimestre do ano. Esperemos que o Governo tenha aprendido a lição e se mostre mais corajoso nas medidas de combate à pandemia, a ouvir menos quem diz o que quer ouvir e a ouvir mais os cientistas mais independentes e com coragem de desagradar ao poder. Esperemos igualmente ter um Presidente mais assertivo. Vale a pena sacrificar o primeiro trimestre do ano para durante o resto do ano começarmos a recuperar e a reconstruir a economia. E salvarmos o turismo no Verão. Vamos ver se temos Governo.