A Alemanha  vai enviar militares e a Áustria vai receber doentes para nos ajudarem a combater a pandemia, numa altura em que os profissionais de saúde e os próprios equipamentos hospitalares entram em colapso. Internacionalmente somos notícia por sermos agora os piores em novos casos e mortalidade por Covid-19, como nesta reportagem na CNN. Em Portugal, o coordenador do plano de vacinação, Francisco Ramos, resolve, em entrevista à SIC, meter-se na política partidária, em vez de encontrar uma solução para as sobras das vacinas e condenar inequivocamente quem fura as prioridades, já de si tão caóticas e a mudarem frequentemente. E acaba com um puxão de orelhas do Ministério da Saúde a ordenar que faça o que já devia estar feito: lista de suplentes para a aplicação das sobras das vacinas, respeitando a lista de prioridades, e anunciando medidas contra quem se arme em esperto.

O plano de vacinação foi desde a primeira hora criticado por não ser realmente um plano e por ter deixado os idosos fora do primeiro grupo. Com o tempo percebeu-se que, além disso, não se estabeleceram regras para as sobras nem se pensou na classe política. Atabalhoadamente está a corrigir-se a falta de orientações para as sobras, no caso da classe política também parece impossível correr pior e nos idosos foi preciso ter orientações explícitas da União Europeia.

Sim, em todo o lado se assiste a espertalhões que tentam furar as regras. O caso mais mediático é o do multimilionário canadiano e da sua mulher, que foram até a uma aldeia remota para se vacinarem, foram apanhados e correm agora o risco de ser presos. O problema dos nossos casos é termos no grupo dos que furam as prioridades responsáveis políticos como o presidente da Câmara de Reguengos, José Calixto, do PS, o presidente da assembleia municipal de Arcos de Valdevez, Francisco Araújo, do PSD e ex-presidente da Câmara que deixou de ser por não se poder candidatar, a vereadora do PS da Câmara do Seixal Elisabete Adrião e a directora do Centro Distrital de Setúbal do Instituto da Segurança Social Natividade Coelho e  mais 126 funcionários. E ainda tudo o que se passou no INEM, quer em Lisboa como no Porto. De todo este universo apenas Natividade Coelho e o responsável do INEM no Porto é que se demitiram.

Será que ninguém percebe que isto não pode acontecer?

Juntemos a estes casos, por pequenos que sejam e alguns até compreensíveis – por exemplo, no caso do INEM – por falta de uma lista de suplentes, a confusão que tem sido a prioridade de vacinação que vai ser dada à classe política e temos o caldo certo para o populismo. Neste momento nem se percebe muito bem quem vai ou não vai ser vacinado no universo político. Se para todos é clara a prioridade que deve ser dada ao Presidente da República, ao presidente da Assembleia da República, ao primeiro-ministro e eventualmente à ministra da Saúde, já se torna mais difícil de compreender a generalização, que assume tal irracionalidade que um deputado como Jerónimo de Sousa não é vacinado e outros bastante mais novos são.

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As prioridades de vacinação são aliás um mistério. Neste momento parece que finalmente se vai dar prioridade aos mais idosos, independentemente de estarem ou não em lares. Uma mudança que com certeza está relacionada com a decisão adoptada pela Comissão Europeia a 19 de Janeiro. Aí se estabelece como objectivo ter vacinadas, em Março, pelo menos 80%  das pessoas com mais de 80 anos e dos profissionais de saúde e de apoio social vacinados. E no Verão ter pelo menos 70% dos adultos vacinados. Porque é que não definimos os idosos como prioritários nunca iremos compreender, quando é bastante claro nos números que o seu risco de morte por Covid-19 é o mais elevado.

Este retrato, que nos transmite a ideia de que estamos em processo de degradação moral, num salve-se quem puder, que é a mensagem subjacente no comportamento de algumas pessoas com responsabilidades políticas, mesmo sendo apenas autarcas, antecipa um problema ainda mais grave, a de uma crise económica que pode ser muito mais grave do que imaginávamos.

Somos um país que tem uma parte importante da sua economia e do emprego dependente do turismo, não é novidade para ninguém. Um dos desafios que tínhamos pela frente neste Inverno era preparar-nos para o Verão. Trabalhar para dar do país uma imagem de segurança e organização, que tinha conseguido vencer a pandemia sem dramas e que tinha já boa parte da população vacinada. O facto de os ingleses estarem bastante acelerados na vacinação é uma vantagem, especialmente para o Algarve que tem nesse país um dos seus principais clientes turísticos.

Neste momento só com sorte conseguiremos salvar o Verão turístico. Dificilmente conseguiremos que o mundo se esqueça dos dados que nos colocam em primeiro lugar em novos casos e mortalidade por Covid-19 e das reportagens que mostram o colapso dos serviços de saúde.

Podemos ter, com elevada probabilidade, o pilar da recuperação que depende do turismo completamente perdido pela falta de coragem política de um Governo que faz do acordo de todos a prioridade, deixando para segundo plano a preocupação com os efeitos tardios e mortíferos das suas decisões. Porque não teve coragem ou foi incompetente, o Governo é o responsável por termos de estar mais tempo em confinamento – pode chegar até ao Verão, diz o Presidente –, pelo estado descontrolado em que está a pandemia, a somar mais de 5.500 mortes em Janeiro  e por uma crise que vai ser muito mais dura do que esperávamos. Resta a esperança de a vacinação começar a correr bem, não dando mais motivos para os riscos políticos que enfrentamos, não juntando à crise sanitária e económica uma imagem de degradação moral, de salve-se quem puder. Para já este mês de Janeiro não antecipa nada de bom.