O problema de maximizar a cobrança de impostos com um mínimo de resistência por parte dos contribuintes é, por razões óbvias, uma preocupação de sempre dos detentores do controlo do aparelho de Estado. Daí que, ao longo dos tempos, numerosos especialistas e sábios se tenham dedicado à tarefa de reflectir sobre as melhores formas (do ponto de vista dos governantes) de encher os cofres do Estado anestesiando tanto quanto possível os contribuintes.

Embora seja muita antiga e universal, esta peculiar arte ganha naturalmente um protagonismo ainda maior numa realidade como a que Portugal atravessa. Para esse protagonismo contribuem vários factores. Desde logo, a colossal dívida acumulada, que coexiste com um Governo que ajusta as contas maioritariamente por via do aumento de impostos e um enquadramento constitucional no qual aparentemente as reduções de despesa pública violam princípios fundamentais, enquanto os aumentos de impostos não colocam qualquer problema e são até constitucionalmente recomendáveis. Mas convém também não esquecer uma oposição que, apesar de ocasionalmente criticar os aumentos de impostos, prefere não apresentar propostas credíveis de redução da despesa. Se juntarmos a isto uma comunicação social e uma opinião pública maioritariamente inclinadas a apoiar a manutenção – e se possível o aumento – da despesa do Estado e poderosos e bem organizados grupos de interesses sectoriais que dela beneficiam, temos o contexto ideal para o apuramento da arte da cobrança de impostos.

É neste contexto – e com esta preocupação – que devem ser encaradas as recentes propostas da Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde. A referida comissão, nomeada pelo ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, Jorge Moreira da Silva, e pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, elaborou um “anteprojeto de reforma da fiscalidade verde” com dezenas de propostas.

No documento são elencadas várias prioridades nacionais, como a reforma do tratamento fiscal dado às bicicletas já que “não vigora no sistema (…) português qualquer incentivo fiscal à aquisição de bicicletas, quer em sede de tributação do rendimento quer de tributação do consumo” (salvaguardando no entanto que deverá ser fiscalmente distinguido o uso de bicicletas como meio de transporte “diário” dos usos realizados “com intuito de lazer ou desportivo, sendo neste segundo caso menos intensas as vantagens ambientais gerais geradas pelo comportamento do indivíduo”).

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Mas o que mais se destaca nas conclusões da Comissão são mesmo as várias propostas de aumento de impostos. Desde a introdução de um novo imposto sobre o transporte aéreo de passageiros, à tributação dos sacos de plástico em dez cêntimos por unidade, sem esquecer, como não poderia de deixar de ser numa reforma “verde”, novos agravamentos directos na tributação sobre os combustíveis e sobre a circulação automóvel.

Que todos os aumentos de impostos propostos incidam sobre actividades e sectores já fortememente penalizados por uma excessiva carga fiscal parece não ter constituído factor de preocupação para a Comissão. É justo referir que o documento propõe também uma aplicação em contexto de “neutralidade fiscal”, no qual o acréscimo de receitas poderia servir para aliviar a carga fiscal noutras áreas. Mas bastará ter presente a dimensão do ajustamento nas contas públicas que será necessário realizar nos próximos ano para prever que, em caso de aplicação das medidas propostas, facilmente a “emergência nacional” se sobreporá à “neutralidade fiscal”.

Quando Vitor Gaspar, numa intervenção que marca a sua desistência de tentar o ajustamento das contas públicas por via da redução da despesa, anunciou o famoso enorme aumento de impostos, foi honesto, mas não um bom praticante da arte de maximizar a receita fiscal minimizando a resistência de quem é forçado a pagar. Sem dúvida que nesse âmbito é preferível o anúncio de um aumento de impostos verde.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa