O presente artigo foi-me suscitado por uma notícia que li no jornal Observador. O PS e o BE querem interpelar o Ministro da Educação porque ele actualizou as verbas atribuídas às escolas privadas com contrato de associação. Toda a gente sabe que os montantes atribuídos às escolas privadas com contratos de associação são mais económicos do que os montantes que o Estado gasta nas escolas públicas. Mas, para o PS e o BE, isso pouco importa; o que mais importa é que o sector privado da educação definhe, e o monopólio estatal do Estado-educador aumente cada vez mais.

Para a educação como para tudo em geral, a concepção política do PS e do BE, tal como a do PCP, partidos que estão sempre do lado do Estado e contra a Sociedade Civil, é uma concepção estatocrática, contrária a uma concepção democrática — porque a democracia não é apenas o poder do povo delegado no Estado; é, antes disso, e sem abdicar disso, o poder do povo exercido directamente pelo povo, mediante o exercício de direitos fundamentais de liberdade e de participação política, que o Estado deve garantir e promover.

O nome que actualmente se dá à democracia, assim devidamente entendida, é o de “democracia participativa”. A Constituição Portuguesa, que em parte alguma inclui a expressão “democracia representativa” — embora tenha dedicado toda a sua Parte Terceira a instituir uma “Organização do Poder Político”, que é o Estado — é expressa na defesa da “democracia participativa”. Logo no art. 2.º, ela afirma que o Estado Constitucional é um “Estado de Direito Democrático” baseado na soberania popular, na democracia pluralista, na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, e tudo isto “visando a democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa”.

É evidente que a democracia, enquanto exercício do poder político pelo povo, que é o titular da soberania, é o exercício dos direitos fundamentais de participação política pelos membros do povo, direitos fundamentais que a Constituição garante expressamente. Diz o art. 48.º da Constituição: “Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos”. Sim, directamente ou por intermédio de representantes eleitos. Portanto, a democracia pode ser representativa; mas nunca pode deixar de ser prioritariamente participativa, porque a própria democracia representativa depende sempre da democracia participativa, visto que depende do exercício dos direitos fundamentais de participação política, que são direitos humanos-pessoais invioláveis e inalienáveis.

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É muito significativo que, além de já ter expressamente imposto ao Estado, no art. 2.º, que aprofunde a democracia participativa, a Constituição tenha tido o zelo de incluir, nos “Princípios gerais” que introduzem o regime constitucional do Estado, na Parte Terceira, no art. 109,º, o seguinte princípio constitucional: “A participação directa e activa de homens e de mulheres na vida política constitui instrumento e condição fundamental de consolidação do sistema democrático […]”. Note-se bem: “Participação directa e activa”, e «condição fundamental de consolidação do sistema democrático»; portanto democracia directa e activa.

Mas como se tudo isto, que já é muitíssimo, fosse pouco, a Constituição reforçou, no art. 6.º, a importância da democracia participativa, limitando expressamente os poderes do Estado, através da imposição do princípio da subsidiariedade do Estado bem como dos princípios da autonomia das autarquias e da descentralização democrática da Administração Pública. É absolutamente decisivo recordar este preceito constitucional: “O Estado é unitário e respeita, na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da Administração Pública”.

Ora o princípio da subsidiariedade do Estado, tal como está consagrado no Tratado da União Europeia, impõe que as decisões devem sempre ser tomadas ao nível mais próximo possível dos cidadãos. E o nível mais próximo dos cidadãos é o nível dos próprios cidadãos, através das suas iniciativas, individualmente ou em legítimas formas de associação.

Sublinhe-se que o entendimento sério do nosso constitucionalismo deve ter presente que os princípios que foram citados, da “democracia participativa” e da “subsidiariedade do Estado”, são princípios obrigatórios, sob pena de vício de inconstitucionalidade. Na Constituição Portuguesa, os princípios constitucionais não são apenas programáticos; são obrigatórios. Diz assim o art. 277.º: “São inconstitucionais as normas que inflinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”. Esta é a doutrina constitucional, clara como água.

São portanto inconstitucionais os privilégios e o monopólio da escola pública estatal contra a escola privada. O art. 43.º da Constituição garante a todos os cidadãos as liberdades de aprender e de ensinar e proíbe o Estado de programar a educação. Diz assim: “É garantida a liberdade de aprender e ensinar. O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas. É garantido o direito de criação de escolas particulares e cooperativas”·

Perante estas disposições constitucionais do art. 43.º sobre as liberdades de educação e contra o Estado-educador, e perante os princípios constitucionais que já ficaram citados e são obrigatórios, como é que se pode compreender que o PS e o BE, bem como o PCP, continuem dolosamente a defender o monopólio do Estado-educador e os privilégios da chamada escola pública, e constantemente a denegrir e perseguir a escola privada, contra a Constituição, contra a democracia participativa, contra o princípio da subsidiariedade do Estado?

Gostava que me respondessem a esta pergunta. Fico à espera, mas sem nenhuma esperança.