Quem diria, em janeiro, que Alexis Tsipras iria ser tão útil a Passos Coelho? O líder do PSD usou o caos grego, este sábado, não só como cartaz para a sua campanha, mas também como argumentário para tentar virar a sua imagem pública. “Hoje as pessoas têm o filme todo à sua frente do que podia ter acontecido a Portugal”, no Pontal, onde só faltou mesmo tratar Paulo Portas por Paulo para podermos falar de um homem novo.

Passos, não tenhamos dúvidas, tem boas razões para sorrir – sobretudo as razões que Portas antes elencou: a economia arrancou, a troika ficou para trás e as sondagens dão empate com o PS. Mas tem – e sabe disso – uma missão impossível pela frente: não é só difícil (ainda) vencer as eleições, como é inviável o objetivo a que se propõe, uma nova maioria absoluta.

Era preciso, por isso, carregar no tom. E foi isso que fez a coligação. Quem diria – repito a fórmula – que viríamos a ouvir Passos Coelho pedir um voto com a razão “e o coração” dos portugueses? O jeito que Tsipras lhe deu foi este: com as promessas de fim da austeridade, com os resultados visíveis de mais austeridade, o líder do Syriza deu a Passos o mais precioso banco de imagens para uma campanha: as fotografias dos bancos fechados, dos reformados que não tinham como levantar o seu dinheiro, a do terceiro memorando, carregado da austeridade que o Syriza prometeu deitar fora. Ora leiam o que disse Passos no Pontal:

“Os portugueses também sabem hoje do que se livraram. E livraram-se disso porque percebem hoje que, apesar das dificuldades que vivemos, sempre nos preocupámos com os pensionistas, com os desempregados, com os funcionários públicos, com todos os que teriam uma vida muito mais difícil, se não tivessémos tomado essas decisões difíceis.”

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A mensagem é forte – mas não é limpinha, como diria Jorge Jesus. Passos sabe que o PS, mesmo que carregando na procura interna, mesmo que a custo de pensões futuras, não é o Syriza (ou que Mário Centeno não é Vafoufakis, para ser mais preciso); sabe também que nenhum líder consegue o coração dos portugueses a mês e meio das eleições; e saberá, espero, que os feitos do passado não dão vitórias sem uma ideia para o futuro nos discursos.

Agora, será justo dizer que Passos tem argumentos. E a altura de dizer que ainda pode ganhar. Com o discurso e o cartaz do Pontal, António Costa não vai poder ficar mais tempo de férias.

15/agosto/2015.

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O desemprego, o PS e a realidade

O INE publicou a última análise trimestral do desemprego antes das legislativas. Vamos rapidamente olhar para os dados e perceber o que há ali de bom e o que há, ainda, de preocupante.

O que é indiscutivelmente bom

É a tendência. Ao fim de um ano de saída da troika – e portanto de alívio nas medidas mais duras de consolidação -, há mais 103 mil portugueses com emprego face ao (mau) trimestre anterior e mais 66 mil face ao mesmo período do ano anterior. Cruzando com os dados da população desempregada, pode dizer-se que a tendência confere: menos 92 mil desempregados face a março, menos 108 mil face ao mês homólogo de 2014. As discrepâncias só podem ser vistas ao milímetro.

Outros dados importantes: a descida do desemprego acontece em todas as regiões do país (8,5% apenas no Centro), com redução do trabalho a tempo parcial e do subemprego, há mais portugueses com Ensino Superior com emprego (sendo estes os que estão menos afetados pelo desemprego), também mais empregados em todas as faixas etárias (com uma exceção, já lá vamos). Tudo isto com a população ativa a subir, ligeiramente, no último trimestre.

Mas há outros dados a reter, para não nos enganarmos:

O primeiro é que o segundo trimestre é, pelo menos desde 2011, o melhor do ano, tendendo a ser corrigido depois. Isto não invalida que a tendência esteja progressivamente melhor, mas convém ficar atento aos dados mensais até às legislativas para ver como ela estabiliza.

A análise de fluxos que foi agora introduzida ajuda a ver à lupa: ainda há muita gente a entrar no desemprego (103 mil passaram para o desemprego, 144 mil para a inatividade num só trimestre). Mesmo assim, e ao mesmo tempo, isto é compensado pelas entradas no emprego 351 mil pessoas – 174 mil vindas do desemprego, 176 mil da inatividade. Isto mostra que o grau de volatilidade do mercado de trabalho é altíssimo, indiciando aquilo que adivinhávamos: as empresas estão ainda com pouca liquidez para carregarem no pedal e puxarem pela economia com investimento.

Há mais um indicador a mostrá-lo: os dados em bruto do INE mostram uma subida muito grande dos contratos a prazo – mais 68 mil no homólogo, mais 50 mil face ao trimestre anterior. Também há mais emprego sem termo (nos quadros), de 66 mil (homólogo) e 29 mil (trimestre). Mas a variação é realmente diferente e ainda precária – pelo que a necessitar de confirmação.

Depois vem a política:

E é aí que a pintura estraga: quando ouço o Governo dizer, sem se rir, que tem hoje menos desemprego do que há quatro anos (em vez de falar de uma clara inversão de tendência, que já é bem bom); mas sobretudo quando ouço vozes respeitáveis do PS a dizer que os dados estão “maquilhados” por causa da emigração e de um “aumento brutal dos estágios”.

É aí que registo duas perguntas para fazer ao PS daqui a dois meses, se e quando chegar ao Governo. Primeira: os estágios, que são políticas públicas de emprego, vão acabar? Segunda: quando o INE divulgar os primeiros dados respeitantes ao próximo Governo, vão incluir nas estatísticas oficiais os dados dos emigrantes e dos estagiários? Se a resposta for sim, encantado. Se for não, veremos o que dirão nessa altura.

O PS anda há meses a cometer um erro grande do ponto de vista político: alinhou um discurso como se o país estivesse tão mau agora como estava no auge da crise em 2013. Entendamo-nos: nessa altura, final do primeiro trimestre, havia 926 mil desempregados (e já muitos tinham emigrado); hoje há 620 mil. Nem toda esta redução será real, certo. Mas é difícil sustentar que nada disto tem a ver com uma normalização da economia (que cresceu 0,9% em 2014 e vai crescer mais este ano), com as empresas e – sim – com o papel que o Estado deve ter em empregar as pessoas. E havia, como expliquei atrás, muito por onde o PS podia pegar, mesmo a olhar para estes números.

Se não vão por mim, talvez possam ouvir Carlos Silva, o secretário-geral da UGT (e dirigente socialista): “Não vale a pena esgrimir os números oficiais. Para o bota-abaixo não contem connosco”. Acho que a falar assim ganhavam mais votos.

5/agosto/2015.

(Este artigo vai funcionar como o meu bloco de notas, atualizado até às eleições legislativas. Os textos mais analíticos estarão com links aqui, mas desenvolvidos aparte).