1. As eleições autárquicas ameaçam transformarem-se um pesadelo para o PSD. Será muito difícil ganharem em Lisboa e no Porto. Um partido que quer ser governo deve ter uma presença forte nas duas maiores cidades portuguesas. A recusa do apoio do PS por Rui Moreira abre uma oportunidade política ao PSD, a qual deveria ser aproveitada. Será o PSD capaz de o fazer? O apoio a Rui Moreira aumenta as hipóteses do PSD de conseguir uma vitória numa das duas maiores cidades do país. E nem sequer poderíamos falar de um chocante oportunismo politico. Ideologicamente, Rui Moreira está mais próximo do PSD do que do PS. Além disso, a formação da geringonça alterou de um modo significativo o conceito de oportunismo politico. Qualquer crítica a uma mudança do PSD agora será menor do que as críticas à derrota na noite das eleições autárquicas. Para Passos Coelho, na oposição, o mais importante é ganhar eleições. Este é um daqueles momentos em que o líder deveria impor a sua vontade às estruturas locais do partido.
O apoio do PSD pode ser igualmente importante para Rui Moreira. Reforçaria, desde logo, a possibilidade de chegar à maioria absoluta, o que não conseguiu há quatro anos e será seguramente o seu objectivo para estas eleições (sobretudo depois do PS ter anunciado a candidatura de Manuel Pizarro). É ainda discutível se afectaria a natureza independente da sua candidatura. De certo modo, é mais fácil manter a independência política, tendo o apoio de dois partidos do que se for apenas apoiado por um partido. Em segundo lugar, numa recandidatura conta mais o trabalho dos últimos quatro anos do que as virtudes da independência. Naturalmente, o PSD deveria negociar um apoio de um modo humilde, sem a arrogância que os socialistas mostraram e respeitando a independência partidária de Rui Moreira. O presidente da Câmara do Porto mostrou capacidade de liderança e coragem ao afastar o PS da sua coligação. O próximo passo deveria ser uma reunião entre Passos Coelho e Rui Moreira para fazerem um acordo. E o mais rapidamente possível. Há oportunidades políticas que não se devem perder.
2. Em França, Macron surpreendeu de um modo positivo. Tendo em conta a sua inexperiência política, muitos temiam que não aguentasse a campanha para a segunda volta sem cometer erros. Macron não terá feito uma campanha excelente, mas foi consistente. No debate com Le Pen foi muito melhor, e foi aqui que consolidou a vitória e provavelmente com uma diferença maior do que se previa. Não se irritou, como Le Pen (nas fronteiras da má educação). Foi mais eficaz e mais convincente; o que não é nada fácil quando se enfrenta uma populista que não hesita em recorrer a argumentos demagógicos e falsos.
Mas há dois pontos que gostaria de sublinhar, e que me parecem fundamentais. Macron manteve um discurso liberal desde o início ao fim das campanhas. Partilho do cepticismo de muitos em relação à sua capacidade de implementar muitas das reformas liberais que a França precisa e sei que o futuro político de Macron Presidente não será nada fácil. As eleições de hoje são apenas a segunda volta de um ciclo eleitoral com quatro voltas que termina em Junho. É impossível prever a distribuição política na Assembleia Nacional. Mas na Europa de hoje, e sobretudo em França, não podemos ser muito exigentes em relação ao liberalismo das forças políticas. A verdade é que não vi nenhum discurso económico liberal nas últimas eleições norte americanas, nem no referendo britânico. Nem me recordo de algum candidato presidencial francês defender com convicção a globalização, a abertura económica, e atacar com igual força o protecionismo e o socialismo económico. Macron nunca teria sido escolhido como candidato presidencial nas primárias dos socialistas franceses. Ganhou contra a esquerda. Em segundo lugar, a vitória de Macron será a vitória da integração europeia contra o nacionalismo. Nos dias que correm, é um triunfo admirável. Quem me dera ter visto o mesmo no Reino Unido.
3. No entanto, também há boas notícias no Reino Unido. Nas eleições locais da passada quinta feira, os extremos perderam. O radicalismo dos trabalhistas foi derrotado. O UKIP desapareceu e os conservadores foram os grandes vencedores. Os resultados sugerem um reforço claro da maioria conservadora para as eleições de Junho. Há ainda outro ponto relevante. Os nacionalistas escoceses pararam de crescer e o partido Conservador está a caminho de se tornar no segundo partido na Escócia. Veremos se as eleições legislativas confirmam esta tendência, o que seria extraordinário. O Reino Unido e a França mostraram os limites do nacionalismo e do protecionismo na Europa. Afinal, nem tudo é mau na Europa.
4. Eu acho que se deve falar na Venezuela e bem alto. Custa-me aceitar o argumento de que o elevado número de portugueses a viver no país exige silêncio sobre o que se passa. Acho que é precisamente o contrário. A comunidade portuguesa, maioritariamente contra a ditadura chavista, obriga-nos a tomar posição. De resto, nunca vi qualquer inibição em relação a outros países, onde existe ainda um maior número de portugueses, como a França, os Estados Unidos ou o Reino Unido. Também discordo que os ataques ao comportamento do regime venezuelano sejam vistos como aproveitamento político. Nenhum democrata pode ficar insensível aos ataques à democracia e aos direitos fundamentais dos cidadãos. Como é possível atacar as ideias de Le Pen e ficarmos calados perante o que faz Maduro?