Ninguém me contou — eu vi. Sou do Porto, nasci no Porto, cresci no Porto e, portanto, lembro-me bem do velho Rui Rio. Quando ganhou a Câmara Municipal, em 2001, Rio fez tudo certinho. Primeiro, mostrou aos socialistas que, ao contrário do que eles pensavam nos seus delírios, o PS não era dono da cidade. Depois, mostrou aos dirigentes portistas que, ao contrário do que eles pensavam quando viam o estádio das Antas cheio, o FC Porto não tinha direito de veto sobre a política municipal. Por fim, mostrou aos burocratas camarários que, ao contrário do que eles pensavam durante décadas de laxismo, era possível acabar com o desleixo, com os abusos e com a pequena corrupção.

Na época, Rui Rio tratou do PS recusando uma posição de subalternidade em relação a Fernando Gomes (lembram-se do personagem?) e aos seus seguidores. Tratou do FC Porto mostrando coragem política e (mais importante do que isso) coragem física. E tratou da burocracia da Câmara mostrando rigor, intransigência e firmeza.

A relação com o PS e com o FC Porto eram problemas puramente políticos, que se resolviam com os instrumentos clássicos da política. Mas o funcionamento interno da Câmara Municipal exigia outra coisa — exigia, precisamente, um “banho de ética”. E Rui Rio aplicou esse “banho de ética” com uma determinação implacável. Não havia, aliás, outra forma de conseguir domar aquele estado de coisas. Alguns funcionários apareciam de menos: passavam-se semanas sem que fossem vistos no local de trabalho. Outros apareciam de mais: para conseguirem receber horas extraordinárias, ficavam sentados no corredor, a ver as moscas a deslocarem-se de uma parede para outra. Como é óbvio, isso era inaceitável. E, como é óbvio, Rui Rio acabou com isso.

Agora, passados todos estes anos, quem assistiu com admiração ao “banho de ética” de Rio na Câmara do Porto percebe, com espanto, que alguma coisa mudou. Ainda durante a campanha interna no PSD, Rio aliou-se a Rodrigo Gonçalves, um dos maiores caciques do partido em Lisboa, conhecido pela secular prática de ajudar no transporte de militantes em carrinhas para mesas de voto. Além disso, convidou para diretor de campanha Salvador Malheiro, autarca de Ovar conhecido pelas mesmíssimas práticas. Depois de eleito, mais surpresas desagradáveis. Segurou no cargo o seu primeiro secretário-geral, Feliciano Barreiras Duarte, muito para lá do que seria razoável, desvalorizando as fantasias no seu currículo. E, neste momento, está a fazer o mesmo com o seu segundo secretário-geral, José Silvano.

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Confrontado pelo Expresso com o facto de alguém ter marcado o ponto por ele no Parlamento, José Silvano reagiu com desculpas esfarrapadas, com confusões contraditórias e, finalmente, com uma confissão explícita. Ao contrário do que faziam os funcionários da Câmara do Porto, Silvano não se sentou nos corredores do Parlamento para receber horas extraordinárias. Fez pior: nem sequer se deu ao trabalho de aparecer nos corredores. Mas Rui Rio, fingindo não ver o que toda a gente está a ver, reduziu tudo isto à categoria de uma “pequena questiúncula”.

Decididamente, o novo Rui Rio não é o velho Rui Rio. O que mudou? Ouvindo o líder do PSD, percebe-se que o que mudou foi a sua noção das prioridades. Para Rio, a coisa mais importante agora é “ter uma proposta para o país, discutir o país, debater o país” — e tudo o que o distraia dessa elevada missão é irrelevante. Além disso, há o cálculo político. Imagino que o novo Rui Rio ache problemático perder um segundo secretário-geral por causa de questões éticas. Mas o velho Rui Rio veria neste potencial problema uma grande oportunidade — seria uma boa forma de mostrar publicamente que a ética está sempre acima das conveniências políticas.

Na primeira entrevista que deu depois de ser eleito líder, Rio fez questão de dizer que há muitos anos, quando decidiu tornar-se militante, não entrou no PSD — entrou no partido de Sá Carneiro. Por isso, talvez seja útil repetir uma frase célebre desse homem que ele tanto admira: “A política sem risco é uma chatice, mas sem ética é uma vergonha”. De facto, é.