O seu aparelho liga-se. À sua mercê estão centenas de conteúdos. Não sabe bem quem os fez. Mas gosta do que vê. Não sabe bem quem decidiu estes. Mas agradam-lhe as sugestões. Percebe que têm origem em vários produtores, mas encontra tudo num único interface, o que é bastante cómodo e intuitivo. Ainda se lembra como tudo era há 10 anos atrás, em 2020 – tinha de saltar de app em app como a do YouTube, do Netflix, do seu operador cabo ou de um OTT nacional como o TVI Player, para poder escolher o que ver. Agora o algoritmo agregador-mor simplifica-lhe a vida. E você agradece. Tem tudo num único ecrã. Todas as suas subscrições ativas, recomendações de outras, os canais que ainda existem (saudades de muitos que, entretanto, desapareceram…) e a parca oferta vídeo à peça (outrora até lhe dava algum uso, chamavam-lhe ‘Videoclube’). Hoje, em 2030, vê muitas das estreias de cinema de forma regular diretamente por via digital, em casa. Paga o “bilhete” porque quer ver quanto antes, ainda que volta e meia se desloque à sala de cinema para confraternizar em família ou amigos no novo Star Wars ou nova vaga da Marvel. O seu filho pergunta-lhe como “era antigamente”, e tem até alguma dificuldade de se recordar dos pormenores, de tal forma 10 a 15 anos lhe parecem já tão distantes.

O enquadramento serve mais o propósito do “onde vamos ver no futuro”, mas tamanho pormenor é um “pormaior”, pois o contexto do consumo influenciará também qual é e como será o conteúdo. Sempre o fez e sempre o fará.

Recordemos, pois, o passado para corroborar esta ideia. Em 1950 a Zenith Radio Corporation criou o primeiro comando remoto para os televisores (ainda com fio, pois claro!). Deram-lhe o original nome de “LazyBones” (Preguiçoso). E com isto, mais do que facilitar o ajuste de canais e corte do som, provocaram um terramoto na indústria televisiva. No que até aí era um esforço – mudar de canal – passou a ser um hábito treinado como especialidade olímpica: fazer o varrimento de canais. O chamado zapping passou a ser a nova norma. Com isto, toda uma indústria teve de se reinventar. Se os programas até aí eram lentos na sua edição e narrativa, desprovidos de enquadramento sonoro que os tornasse mais excitantes, obrigou, portanto, à escolha de novas ideias mais empolgantes e maior edição sonora e de realização mais vigorosa. Cada 20 segundos eram uma etapa a ser ganha, antes que o instável e insatisfeito espectador se lembrasse de mudar de canal.

Décadas depois, a revolução mobile iniciada verdadeiramente com o lançamento do iPhone em 2007, arrasou com todas as convicções. É apenas mais uma forma de aceder à internet, pensaram alguns. Vai mudar tudo, pensaram acertadamente uns poucos. Os novos ecrãs, num contexto pessoal e num consumo em mobilidade, vieram demonstrar que a produção de conteúdos teria de se adaptar: conteúdos filmados na vertical, pensados nos enquadramentos para dimensões pequenas e de durações entre 1 a 15 minutos (mobile = portável = em movimento). O contexto, uma vez mais, determinava uma nova forma de produção e orientação criativa, bem como de consumo.

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Mas voltemos ao nosso futuro próximo. Deixámos de ligar tanto aos ecrãs. Para nós o conceito de Televisão é tudo. Por vezes damos por nós, os mais velhos, a contar aos mais novos o que era isso da televisão, a televisão do televisor. Hoje o conceito é mainstream. Não interessa a particularidade. Consumo de entretenimento em vídeo é televisão. A dúvida deu origem ao novo normal. E este recheia-se de soluções antigas como de novas.

Vejamos. Não precisamos de grandes quadros estatísticos para nos dizerem que hoje a televisão chega à quase totalidade da população. Mas que televisão? Aquela que é entregue por que meio? Falamos naturalmente da difusão TDT e por Cabo. Em segundo plano, claro está, seguem as ofertas por via internet, os chamados Over-The-Top (OTT), tais como os já mencionados YouTube, Netflix ou TVI Player, bem como tantos outros. Para estes não há barreiras. Precisa apenas de 3 componentes: um dispositivo eletrónico com capacidade de ligar à internet, uma ligação ativa à internet e tempo disponível. Nalguns deles, precisa ainda de uma 4.ª componente: aquele cartão rígido de plástico que lhe autoriza uma ligação à sua conta bancária, e assim cedendo alguns euros por mês para subscrever e assistir ao conteúdo limitado/pago.

Se nos últimos 5 anos víamos o mundo assim, nos próximos 5 veremos a massificação dos OTTs. Nos 5 seguintes veremos o novo normal, com a distribuição digital em OTT a dividir espaço com os canais generalistas. Pelo meio teremos perdido muitos dos canais cabo e do videoclube como hoje o conhecemos. Da mesma forma que hoje relembramos as lojas da Blockbuster com alguma névoa, assim faremos com os videoclubes atuais e alguns canais cabo daqui a 10 anos. Porquê?

Para responder a esta pergunta precisamos entender melhor as alternativas em curso. E são duas. Em primeiro, os chamados OTT pagos. O Netflix será o mais popular, contando à data do 1T de 2020 com mais de 165M de subscritores. Segue-se o Amazon Prime Vídeo com mais de 150M. Depois o Disney+ com mais de 50M. O Hulu com mais de 30M. O HBO Now com 8M. Daqui a pouco tempo mais um, o PEACOCK (da NBC). E da Apple TV+ ainda não há números oficiais conhecidos. A maioria dos cidadãos não subscreve mais do que 2 a 3 destes serviços. E talvez ainda escolha um serviço de desporto (Sport Tv, Eleven Sports, F1 ou WWE ou outro) bem como de música (Spotify ou Apple Music). Os orçamentos não esticam e a gestão de que subscrição se mantém ativa vai sendo feita amiúde dos títulos que cada plataforma lança. Aqui está, portanto, a ponta do icebergue…

Para potenciar estas novas formas de distribuição estas empresas não podem lançar os grandes programas de entretenimento, séries ou filmes para o canal cabo, onde já toda a gente pagou na subscrição mensal da sua operadora de telecomunicações. Para “fazer sentido” pagar, é aos originais e às primeiras janelas de emissão pós-cinema que os OTT devem a sua diferenciação vitoriosa. Ficam assim os canais cabo providos de produto fresco, e cada vez mais tendo de procurar alternativas (coproduções, filmes e séries antigas de segunda linha, etc.). Por aqui já vemos, portanto, como 2030 se começa a desenhar mais claramente.

Por outro lado, fazendo face à racionalidade dos clientes (afinal de contas, ainda temos metade do nosso hemisfério racional a contrabalançar o emocional), vão surgindo ofertas sem custos, opondo-se às subscrições. São os chamados AVOD (Advertising Video On-Demand). Nestes casos, basta aceitar um anúncio aqui e outro ali para ver o conteúdo sem pagar. E quem detém estes serviços? Pois bem, os mesmos de sempre. Ou quase.

Senão vejamos. Quem tem o Amazon Prime Video (Pago) tem também o FREE DIVE (AVOD), ou seja, a AMAZON. Quem tem o Disney+ e o Hulu (Pagos) tem também o TUBI (AVOD), sou seja a Disney. Quem tem o Peacock (Pago), tem também o XUMO (AVOD) Apenas o Netflix se alheia a isto (por enquanto). Mas todos os outros reforçam a oferta nesta díade entre produtos pagos e produtos sem custos, a troco de publicidade.

A conviver temos os canais de Tv clássicos. Sejam de serviço público ou comerciais; E nestes, os generalistas. Vem depois a cauda longa dos temáticos (informação, infantis, cinema, séries, culinária, etc.).

Confuso, certo?

Correto.

Eis então que a solução chegará, devagar, mas imponentemente. Pelos algoritmos e interfaces. Será o novo telecomando. E se há 70 anos um aparelho com fios mudou a forma como a televisão se passou a oferecer ao mundo, também em 2030 o mesmo sucederá. O que nos interessa não é quem fez (Netflix, Vudu, Prime vídeo, Disney+, Tubi, Hulu, Peacock, Pluto TV, Apple+, Xumo, HBO, RTP Play, TVI Player ou outro), mas sim o que há para ver. E o que até agora e no futuro estará espartilhado em silos, ficará num mesmo lago. Daí que tanto interesse haja em torno das soluções da Android TV, da Apple TV, da ROKU, da TiVO e das interfaces dos operadores de telecomunicações, com as suas Boxs e os seus algoritmos. Caso todos encaixem numa mesma lógica, ainda que haja diferenças (sobretudo de algoritmo), o novo telecomando estará aplicado e as nossas escolhas far-se-ão de acordo com o domínio desta distribuição: o que nos aparece nos resultados sugeridos no primeiro e segundo ecrãs.

Se está a dar em direto na TVI, arrancamos do início e vemos em direto. Se estava gravado, reproduzimos. Se tem estreia no “cinema de nossa casa” na próxima sexta-feira, agendamos um alerta para ver no fim de semana. Orientamo-nos por títulos, e não por canais. O que significa que os rostos populares e de grande notoriedade continuarão a ser um fortíssimo guia (e a valer milhões, na TV nacional como internacional), bem como as marcas de programas icónicos e, por último e não menos importante, a notoriedade da marca de quem produz, chancela emocional que nos faz pender mais ou menos na nossa escolha emocional.

Abaixo da ponta do iceberg, contudo, outra realidade se esconde. A da produção. Se na Europa esta continua dividida pela geografia, nos Estados Unidos ela é oriunda mais pelos silos e fronteiras económicas. Das marcas e serviços referidos aqui atrás, dos EUA, não há nenhuma empresa 100% de televisão/media. Zero. Riscadas do mapa. Inexistentes. O Netflix é de base tecnológica. A APPLE ainda mais. A Amazon idem e no retalho. A Disney abarca desde os media aos cruzeiros e parques de diversões e estúdios de criação. E os restantes pertencem a Telecoms: VIACOM (Pluto TV), COMCAST (NBC, Peacock e Xumo) e AT&T (Time-Warner e HBO).

Todos estes gigantes sabem que o novo telecomando não é mais um pedaço de plástico com alguns botões (muito menos com fio…), mas sim a interface no próprio ecrã. Seja por via da própria app, da box ou de sistemas híbridos como a TiVO, Android TV, Apple TV ou a ROKU. Os novos centros de entretenimento iniciar-se-ão num centro comercial de TV, por onde entre corredores sobreviverão apenas os canais generalistas – os únicos capazes de abarcar grandes volumes de audiência num programa ao mesmo tempo, e muitas vezes em direto – os de desporto e os OTT. Fora isso, as aplicações e canais de nicho.

Em 2030, portanto, a nossa oferta (como já hoje acontece, aliás) é decorrente do domínio também da distribuição. Temos mais séries e filmes do que nunca, pois são produtos passíveis de serem vistos em arquivo (quantas vezes viu um filme nas TV e ficou surpreendido depois ao descobrir já ter mais de 10 anos, quando lhe parecia tão recente?) sem grande erosão de valor. No contrapeso temos os concursos, novelas, informação e entretenimento produzidos pelos canais generalistas. A língua, essa, será comum. Da díade hoje onde temos o inglês nos OTT e o português nos canais nacionais, a diferença esbater-se-á, por incentivos à produção local promovidos pelas leis de mercado ou obrigação da União Europeia.

O que vamos ver, portanto, beneficiando de anos de recolha automática de dados como em nenhuma outra década por todas estas plataformas, será em parte decidido pelos algoritmos. Até aqui as análises mais centradas no ontem, com base nas audiências de painel e na bilhética das salas de cinema, amanhã com (ainda mais) poderosos modelos matemáticos a ajudar a consubstanciar decisões de programação sobre que atriz convidar para o papel principal, qual género desenvolver, que série produzir, renovar ou cessar. Pois que se forem reduzidos os dólares malgastos (em produções que ‘sabemos’ vão falhar) poderão ser poupados muitos milhões por um lado e por outro investidos mais nos produtos que antevemos sejam populares, robustecendo-os na fotografia, som, elenco e promoção, para gáudio dos espectadores.

Se em 2030 será absolutamente normal e frequente ouvirmos êxitos musicais escritos por algoritmos, ainda que interpretados por caras e vozes conhecidas, a TV ainda não terá chegado tão longe, mas a evolução não estará parada, como bem se vê. Nessa altura, como hoje, continuaremos a não precisar encontrar outro nome tão curto como TV. Ela estará mais viva e disponível do que nunca. Nos canais generalistas. Nas aplicações OTT. No novo cinema em casa. E como sempre, o espaço de imersão feérica, por onde trememos ante o tubarão, vibramos ao golo e rimos com o entertainer. Continuará a ser o canal mainstream e privilegiado de contacto entre marcas e clientes. E se hoje ainda dividimos o mundo em dois, com a ‘certeza’ de que os anúncios que passam nos canais são os mesmos para toda a gente, ao invés dos que passam no YouTube são diferentes para cada um, a fusão dos mundos estará concluída. Nem pensaremos mais nisso. Apenas e somente se não deveríamos aproveitar e abrir a app desta marca de roupa para encomendar o que está a 50%, ainda para mais porque está com oferta limitada ao stock existente. E onde é que vimos o anúncio? Ora essa, que pergunta! Sei lá. Foi na “TV”, pois claro. Haveria de ser onde…