O já famoso questionário de Costa começou com 34 e chegou às 36 perguntas (sem conseguir alcançar as 40 perguntas do questionário de Proust). Mas faltou a Costa a questão fundamental: por que razão aderiu ao PS? Escolha uma ou mais das cinco hipóteses:

  1. É socialista.
  2. É uma pessoa de esquerda.
  3. O PS oferece possibilidades profissionais atractivas para si, os seus familiares e os seus amigos.
  4. No PS, tem acesso a recursos financeiros consideráveis para as empresas dos seus familiares e amigos.
  5. Quer casar-se.

No fundo, aquele questionário reduz-se a estas cinco questões. Talvez ainda haja alguns socialistas e algumas pessoas de esquerda no PS, mas as 36 questões assumem que carreiras profissionais, negócios, relações familiares e de amizade estão hoje no centro da vida socialista.

Foi, aliás, isso mesmo que António Costa reconheceu com aquelas perguntas. O PM ficou aflito com a sucessão de casos que afectaram o seu governo e no debate sobre a moção de censura lembrou-se, à última hora, de propor um questionário que convencesse os portugueses da seriedade e transparência do processo de recrutamento socialista. Obviamente, não convenceu ninguém. Agora, muitos portugueses querem saber se os membros do governo, ministros, secretários de estado e adjuntos dos gabinetes cumprem os requisitos do questionário.

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Costa legitimou critérios de moralidade pública para avaliar os membros do seu governo (o PM chama-lhe com ar pomposo, a “ética republicana”). Qualquer jornalista pode, a partir de agora, levantar aquelas questões sobre ministros e secretários de estado. Os jornalistas independentes, livres e criativos têm meses e anos de investigações pela frente.

O PM sabe muito bem que o seu partido se transformou numa organização de carreiras profissionais e de negócios, entre amigos e familiares. A proposta do questionário visa convencer os portugueses do contrário, que o PS pode ser transparente. Mas em vez de esconder a realidade, vai expô-la. O PS e o governo chegaram a um ponto em que já não resistem a qualquer tipo de transparência.

Julgo que nenhum filósofo algum dia disse que as contradições do socialismo vão levar à sua queda. Mas poderia ter dito.

Há outra conclusão que se pode retirar da confissão laica de Costa sobre o fim da “ética republicana” no PS. Para os socialistas, não há distinções entre o partido, o governo e o Estado. Partidarizaram o Estado sem qualquer pudor. Por isso, pegando num exemplo relevante, defendem tanto as empresas públicas. As carreiras de sucesso nas empresas privadas com qualidade exigem um grau universitário com boas notas, trabalho árduo e competência profissional. As carreiras de sucesso nas empresas públicas exigem a filiação no PS.

A partidarização do Estado mostra ainda um problema mais sério. Para o PS, a democracia transformou-se num instrumento de conquista de poder, num mero processo político. Deixou de ser um objectivo em si, um conjunto de valores que devem ser respeitados em todas as situações, na oposição e no poder, e guiar o comportamento dos políticos.

No parlamento, perante todos os deputados – os representantes do povo português – António Costa reconheceu que o PS deixou de respeitar a ética republicana e está a contribuir para uma diminuição perigosa da qualidade da democracia portuguesa. Foi o momento de maior honestidade de Costa desde que é PM.