Se alguém ainda tinha dúvidas sobre o impasse político em Portugal, perdeu-as certamente com o debate sobre o Pacto de Estabilidade na Assembleia da República. Foi um momento revelador. Todos os partidos, menos o PS, apresentaram propostas. O resultado foi este: o PSD e o CDS votaram contra as propostas do PCP e do BE, o PCP e o BE votaram contra as propostas do PSD e do CDS, e o PS votou contra todas. Eis o retrato da situação política portuguesa. Ninguém tem força, a não ser para tirar força aos outros. Em 2015, a geringonça formou-se para afastar o PSD e o CDS do governo. Mas de facto, houve sempre outra geringonça para reduzir a influência do PCP e do BE na actual maioria. O PS está no cruzamento destas geringonças que se limitam reciprocamente.
Porque é que os partidos se conformam com esta vil tristeza? Por fracasso e descrença. O PCP e o BE não conseguiram aproveitar a crise de 2008-2011 para ultrapassar o PS, como o Syriza conseguiu na Grécia e o Podemos quase pareceu que ia conseguir em Espanha. O PCP e o BE nem chegaram a parecer que iam conseguir. Entretanto, a política europeia do Syriza desfez-lhes as últimas ilusões. Sair do euro era a base das suas alternativas. Mas se nem na Grécia, apesar dos sacrifícios, houve força para tirar o país do Euro, como haveria em Portugal? O euro pode acabar, mas os portugueses agarrar-se-ão à moeda única até ao fim. Resta por isso ao PCP e ao BE, com muitas manobras de diversão, seguir o PS.
O PSD e o CDS também falharam: evitaram a bancarrota, mas não evitaram o regresso dos ministros de José Sócrates. Sabem que a sociedade portuguesa tem compromissos e expectativas que só pode satisfazer através do crescimento económico nos mercados globais. Sabem também que para a economia ser competitiva internacionalmente, há que diminuir a carga das rendas geradas pelo Estado a favor de toda a espécie de grupos. Acontece que estes grupos são os mais organizados e vociferantes, e que uma sociedade envelhecida e endividada receia qualquer mudança. A saída de Passos Coelho significou a desistência do PSD de liderar qualquer movimento reformista. É a sua vez de abraçar o PS, com quem quer partilhar o território e dividir o dinheiro dos alemães.
Estes fracassos e descrenças deixaram o PS no governo e, mais do que isso, no centro do regime. Mas que representa o PS? É o partido que governa o país desde 1995, excepto quando não há dinheiro. É, por isso mesmo, o partido do pessoal que domina o aparelho de Estado. E é, também por isso mesmo, o partido de José Sócrates, de Manuel Pinho, e, segundo a acusação do Ministério Público, de Ricardo Salgado, que alegadamente pagava aos dois primeiros. Coisas, entre outras, que no partido uns nem consideram “reprováveis” e outros apenas “insólitas”. Em suma, este PS não está apenas no governo, no Estado e no centro das geringonças: parece estar também para além do bem e do mal.
O regime é uma união de impotências e de desmoralizações. Mas da união destes fracos, ao contrário da célebre imagem romana, não nasce a força. Não há qualquer capacidade de iniciativa. A política é de austeridade, segundo as ordens da Comissão Europeia, porque é preciso financiamento externo, mas sem reformas, porque a esquerda as recusa e a direita deixou de acreditar nelas. Os resultados são estes: um sistema fiscal que faz as vezes da inflação, e, por outro lado, a degradação do Estado social, com os serviços e os utentes sacrificados às clientelas. A cada eleição, os votantes são menos. A pouco e pouco, o regime começa a viver à parte do país. O regime não se importa. E o país?