Recentemente fomos confrontados com notícias trágicas de duas mulheres que, em locais diferentes e com pouco tempo de intervalo, fizeram tentativas de suicídio, juntamente com os seus filhos menores (suicídio-homicídio). Estes casos tiveram uma enorme cobertura pela comunicação social, tendo gerado uma grande consternação e indignação na população. Apesar de aparentemente estas situações terem na sua origem patologia psiquiátrica, importa refletir sobre as consequências e os perigos de se divulgar os suicídios, de forma sensacionalista, na comunicação social.
Há muito tempo que se sabe que o suicídio não deve ser publicitado, de forma sensacionalista, pelos perigos que advêm do efeito mimético que a sua divulgação pode provocar em pessoas fragilizadas pela depressão. Desde o século XVIII que se conhece o fenómeno do “suicídio imitativo”, designado por “efeito Werther”. Após a publicação do livro Os sofrimentos do jovem Werther (1774) de Goethe, o qual acaba com o suicídio do seu protagonista, muitos jovens leitores por toda a Europa, influenciados pela obra, acabaram por se suicidar em larga escala num fenómeno de imitação. Embora haja alguma controvérsia sobre este caso, designadamente pela dificuldade de se obter dados fiáveis retrospetivamente, a verdade é que há o risco de os suicídios que recebem atenção pública poderem desenrolar suicídios de imitação entre os potenciais suicidas observadores. Os perigos residem no fato de, nestas pessoas, poder aumentar as expectativas de que o seu suicídio irá também produzir uma mediatização póstuma, um sentimento de pena por parte da comunidade, aumentando deste modo o seu estatuto social.
Os meios de comunicação social podem desempenhar um papel protetor relativamente ao suicídio, ou se forem mal utilizados podem ter mesmo um indesejável efeito promotor do suicídio. A própria OMS alerta para a necessidade de haver políticas de regulamentação de reportagens de suicídios pela comunicação social. Neste caso, nas reportagens não se deve dar pormenores sobre o método utilizado, evitando-se a todo o custo abordar o tema numa perspetiva sensacionalista, de modo a não afetar outros doentes que estão em situação de grande fragilidade ou mesmo ambivalência relativamente ao suicídio. É muito importante que os meios de comunicação social tenham um sentido ético na abordagem deste tema delicado, apontando sempre para uma solução, mostrando, por exemplo, os recursos clínicos existentes no serviço nacional de saúde para o tratamento destes casos.
O suicídio é um dos comportamentos mais intrigantes do ser humano, uma vez que contraria o instinto primário de sobrevivência e do amor à vida. Estima-se que cerca de 90% dos suicídios estejam associados a doença psiquiátrica, sendo a depressão a principal patologia relacionada. É compreensível que a sociedade procure respostas para o comportamento bizarro e escandaloso de uma mãe que, no ato suicida, procure também pôr termo à vida do seu filho. Muitas vezes estes casos correspondem a situações de depressões graves acompanhadas de sintomas psicóticos. As pessoas atingidas por esta doença acreditam que a sua vida deixou de ter sentido, o sofrimento de continuar a viver é insuportável e interminável, e a morte, neste contexto, é vista como uma solução final, colocando termo a uma vida sem sentido. Nestas situações, podem existir alucinações auditivo-verbais, ideias delirantes de ruína ou mesmo niilistas, sendo que o juízo crítico da pessoa, e a sua liberdade, ficam gravemente afetadas pela doença mental. Neste contexto delirante, a mãe pode acreditar (erradamente) que o ato de matar os seus filhos é um gesto de piedade (homicídio oblativo), e uma demonstração de amor, justificada pelo desejo de pôr fim ao sofrimento do seu filho. É muito importante que este aspeto clínico seja esclarecido, já que pode ajudar a diferenciar a imputabilidade ou inimputabilidade do ato homicida.
Infelizmente, por vezes, estas situações psiquiátricas passam despercebidas no contexto familiar, e não chegam a receber tratamento psiquiátrico. De qualquer modo, cerca de dois terços dos suicidas procura um médico no mês antes anterior à sua morte, fazendo com que o ato de avaliar o risco de suicídio seja uma das tarefas clínicas mais exigentes da psiquiatria. Na esmagadora maioria destes casos, as melhoras são alcançáveis quer através dos tratamentos farmacológicos disponíveis, quer ainda através da electroconvulsivoterapia, que, de resto, é muito eficaz nos quadros clínicos de depressão psicótica.
O suicídio é um problema de saúde pública, e o tema não deve ser abordado de forma sensacionalista. Cada caso encerra um mistério, uma história de vida muitas vezes dramática, e com grande sofrimento. Importa acima de tudo transmitir esperança a todas as pessoas que estão em depressão, encaminhando-as para um tratamento psiquiátrico adequado. Deve-se reforçar a ideia de que não estão sozinhas, que têm alguém que as ajude, transmitindo-lhes confiança e que existe uma outra alternativa.
Médico psiquiatra